08 de Abril de 2021
[Por: José Neivaldo de Souza]
Faleceu nesta terça feira (06/04/21), em Tübingen, na Alemanha, o teólogo católico Hans Küng. Uma grande perda! Ele foi uma das cabeças pensantes do Concilio Vaticano II e idealizador de um projeto de ética global. Para além da teologia católica e ecumênica, ele deixa para os que se preocupam com a sobrevivência futura do planeta, uma contribuição pertinente acerca da existência de Deus, do pluralismo cultural e de uma ética planetária com base no diálogo e na “não violência”. Nos interessa aqui ressaltar o seu pensamento ético. Para ele, pensar e agir eticamente são um sinal de esperança e, nos tempos de crise, temos a oportunidade de buscar respostas para algumas das principais perguntas que a ética coloca ao ser humano: Por que fazer o bem é melhor do que fazer o mal? A democracia e um bem? Por que a responsabilidade constitui um discurso fundamental para uma ética mundial?
O ser humano não está acima do bem e do mal. No projeto ético de Hans Küng tanto o indivíduo quanto a coletividade são chamados a pensar e elaborar respostas para perguntas como: por que devemos fazer o bem e evitar o mal? O que é bom para as relações humanas? Por que não devemos corromper, roubar, matar as pessoas e destruir a natureza em função do lucro e da ganância? Por que nos responsabilizar pelas consequências nefastas do mal que praticamos? O Sujeito da ética é o ser humano que, enquanto indivíduo e ser social, deve pensar e articular, com base na justiça e na paz, o seu lar, sua sociedade e seu planeta. Neste projeto o objetivo é tornar as pessoas mais “humanas” e menos “divinas”; mais responsáveis em relação ao mundo material e não-material. Como obter este consenso entre os cidadãos?
É utopia falar de um consenso universal entre as pessoas e as nações, mas garantindo o mínimo já é um começo. No consenso social a democracia, apesar de imperfeita, tem o propósito de unir os cidadãos pela liberdade e o diálogo. Há políticos autoritários e perseguidores da liberdade que, em nome da democracia, cometem atrocidades e formulam leis visando os próprios interesses. Diante desta realidade a ética nos provoca: Que tipo de democracia queremos? Para Hans Küng, o Estado democrático-liberal, sedento de liberdade e de direitos humanos, deve questionar sua suportabilidade, não só em relação ao autoritarismo, mas diante das exigências pós-modernas como o pluralismo cultural e a diversidade religiosa, filosófica, ideológica e ecológica. Este Estado tem o dever de oportunizar a busca por um consenso “coincidente” (John Rawls), que sustente valores, normas e atitudes sobre bases concretas e históricas; um consenso sobre a “paz interna” onde os conflitos nacionais e internacionais, visando o bem comum, sejam resolvidos no diálogo; um consenso capaz de questionar posturas terroristas, politicagem, lucros exacerbados, libertinagem etc., e que ligue a humanidade “a uma direção de vida, a valores de vida, a normas de vida, a posturas de vida, a um sentido de vida – e isso, se não me engano, de uma forma transnacional e transcultural”.
A responsabilidade planetária constitui, para o nosso autor, um discurso ético de esperança para o futuro da humanidade. Ela se confronta a uma “ética de sucessos” onde o bem se atrela ao lucro, ao poder e ao prazer. Também reage a uma “ética de mentalidade” cujos valores isolados são orientados por motivações subjetivas, a-históricas, a-políticas e motivadoras do autoritarismo e do terrorismo.
Para o Hans Küng, a ética por vir pergunta pelas “consequências” e assume a responsabilidade num contexto em que a ameaça da existência é real: “exige-se uma nova ética fundamentada no cuidado pelo futuro e no temor e respeito diante da natureza”. O discurso-lema para o Terceiro milênio, segundo ele, deve considerar os desafios das inter-relações globais: “responsabilidade da sociedade mundial em vista de seu próprio futuro! Responsabilidade para o meio ambiente, tanto hoje quando no futuro”. O projeto de ética mundial traz um grande desafio à pessoa humana: ela deverá ser mais humana, se responsabilizando pela preservação, promoção e realização de sua existência no planeta. É um projeto de esperança. O que vai determinar o sucesso de uma empresa, de uma cultura, de uma sociedade, do planeta? É o capital humano, não a tecnologia, a economia ou os meios de produção capitalista. A responsabilidade, no projeto de ética mundial, não é privilégio de políticos ou religiosos, mas “deve constituir o quadro óbvio do comportamento humano e social”.
Hans Küng, como um bom pensador, nos deixa a ideia de que a ordem planetária depende de uma ética mundial; uma ética com o mínimo de consenso entre os cidadãos que teimam em fazer o bem e se preocupam com o futuro do planeta. Suas ideias nos provocam hoje, no Brasil, diante das ameaças do governo ao Estado democrático de direito, a questionar que tipo de ética funciona nesta desordem econômica e jurídica? A resposta de Hans Küng é clara e objetiva: em nenhum Estado do mundo uma ordem econômica e jurídica funcionará sem um consenso ético do qual vive a democracia.
Imagem: https://www.vidanuevadigital.com/2021/04/07/alemania-despide-a-hans-kung-un-teologo-catolico-leal/
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