João Cabral de Melo Neto: Olhos de telescópios

18 de Diciembre de 2020

[Por: José Neivaldo de Souza]




Este ano celebramos o centenário do nascimento de João Cabral de Melo Neto (Recife 1920 - Rio de Janeiro 1999). Como não recordar este poeta diplomata que soube descrever em versos e prosa a realidade de um povo que, apesar da dor de viver, luta pra não morrer? Não é minha intenção apresentar sua biografia ou bibliografia, mas ressaltar este espirito solidário que, como bem escreveu em um de seus primeiros poemas, “Pedra do Sono”, tinha olhos de telescópios para espiar a rua e a alma: 

 

“Meus olhos têm telescópios

Espiando a rua

Espiando a alma” 

 

Como diplomata João foi um cidadão do mundo, conheceu línguas e culturas diferentes. O primeiro poema, escrito no início da década de 40 quando prestava concurso público no Rio de Janeiro, revelava já a sua trajetória: queria aprender com o mundo. “Espiando a rua” nos dá a ideia de seu interesse pelo exterior, o estranho, o diferente. “Espiar”, mais do que vigiar ou espreitar o outro, quer observá-lo e contemplá-lo. “Rua”, neste mesmo sentido, não é simplesmente uma avenida de pedra, sem vida, mas é travessia, caminho onde o vai-e-vem de pessoas se faz sentir; lugar de aprendizagem; de relacionamentos; de encontros e despedidas. Seus olhos, voltados para fora, como telescópios, queriam observar e conhecer à distância. 

 

Como escritor e poeta, não se contentava em ser um cidadão do mundo lá fora. Introspectivo, olhava para si. “Espiando a alma”, procurava se identificar e se situar neste vai-e-vem do mundo. Um poeta escrevendo a vida e o amor. Escrever, para ele, era um “estar no extremo de si mesmo”, apesar de saber que “a vida não se resolve com palavras” e que identidade sem amor, não tem valor: “o amor comeu minha identidade”. Ao olhar para si, João Cabral, enxergou o Brasil, o nordeste, o povo retirante e migrante a quem chamou de Severino. Espiando a própria alma despiu-se dos preconceitos e, por opção de vida, se viu igualmente Severino, como bem escreveu nestes versos de “Morte e vida Severina”: 

 

“E somos Severinos, iguais em tudo na vida. Morremos de morte igual, da mesma morte Severina, que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia” 

 

João Cabral de Melo Neto decifrou a alma brasileira. Ainda hoje ele nos ajuda, com a sua obra severina, a enxergar, com o olhar telescópico, a realidade sofrida de nossa gente. Despidos de preconceitos e com o sentimento de que o amor é a única arma possível para o bem viver, celebramos a memória deste imortal, reconhecido com louvor, pela Academia Brasileira de Letras. 

 

Imagem: https://elcultural.com/joao-cabral-de-melo-neto-sobre-la-poesia 

 

   

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