Pensar em Deus é duvidar de Deus

25 de Julio de 2019

[Por: José Neivaldo de Souza]




“Ó beleza! Onde está tua verdade?” Shakespeare

 

Às vezes me pergunto sobre o que escrever e quando não vem nada à cabeça, surge uma palavra: Teologia. Fico tentado a falar de Deus, o nome que nos remete ao Grande mistério. O conceito de Deus é complexo, assim como é complexo o ser humano. Muitas vezes, para não me perder, me vejo agarrado ao Livro sagrado e à tradição cristã interpretando-os na ótica do poder. Sei que a fé, na perspectiva do poder, não suporta as heresias, as contradições e as fantasias que criamos acerca do divino. Por que Deus é obrigado a aparecer e mostrar serviço? Por que Deus não pode ser o nome desta falta ou deste “nada” que me vem à cabeça e sobre o qual eu me calo? Esta ausência que me toca e me leva à busca de algo que se perdeu e que deseja ser encontrado? 

 

O teólogo Jesuíta João Batista Libânio me faz pensar: Ao desespero da razão para entender Deus e provar sua existência a alegria do coração para sentir a beleza de sua ausência. Em um emocionante texto, comentando o escrito de Rubem Alves “Sobre Deuses e caquis” expressou esta ausência: “A beleza, não a entendemos, sentimo-la. A experiência gratificante, não esmiuçamos, curtimo-la. O gozo, não o decompomos, usufruímo-lo. O jogo, não estudamos, entregamo-nos a ele. E a teologia está mais do lado da beleza, da experiência, do gozo, do jogo”1

 

O poder é assim, sem beleza! Procura impor uma imagem de Deus inteligível; que seja analisada e manipulada pela razão humana e atenda os próprios interesses. “O Deus acima de tudo” nada mais é senão projeção dos desejos. Objeto de discurso do poder, ele se torna perverso, terrível. Diante desta imagem de Deus, compreendê-lo e aceitá-lo é compactuar com uma “verdade” fabricada, falsificada em que todos os valores humanos são pervertidos a seu favor. Concordo com Rubem Alves: “A honestidade dos estúpidos é mil vezes mais perigosa que a mentira dos inteligentes. É da honestidade dos estúpidos que surgem os fanáticos. Os fanáticos são pessoas honestas que acreditam nos seus pensamentos e nada os dissuade de seu caminho. E, porque acreditam na verdade dos seus pensamentos, tudo fazem para destruir aqueles que têm ideias diferentes”2. Mais vale uma dúvida que questiona do que uma fé obediente

 

Não! Deus não pode se dar ao capricho de justificar a “honestidade” dos estúpidos; a hipocrisia dos fanáticos que insistem em enxergar o próprio olho. A cegueira não permite olhar além das próprias córneas. A trave ou a sujeira no olho, de que falava Jesus, se chama poder. Por ele, instituímos o próprio tribunal e declaramos quem pode ou não entrar no “nosso” reino de “cidadãos de bem”. Para o profeta Isaías, este tipo de cegueira desorienta os desavisados que, por sua parte, se deixam seduzir e ser conduzidos ao erro (Is 9,16). O Deus de Jesus se nega a servir este poder. Talvez seja por isso que o seu reino não é deste mundo: “Por que reparas o cisco no olho do teu irmão e não vês a sujeira que está no teu? Hipócrita, tira primeiro a sujeira do teu olho e então cuidarás em tirar o cisco do olho do teu irmão” (Mt 7,3; 5).

 

Pensar Deus é duvidar de Deus! Quem é o Senhor da minha salvação? Que fé é favorável à construção de uma nova sociedade onde imperam a justiça e a paz? Que igreja é capaz de resistir ao poder temporal e anunciar um novo mundo onde o pão é abençoado e repartido chegando à mesa de todos? A verdade da qual fala a teologia, liberta ou é um engodo para justificar poderes e alienar ideias? Fico com as palavras de Rubem Alves. O objeto da teologia é a beleza que não se atrela ao poder e muito menos a um discurso que justifica a violência e o ódio. Por isso, “Quero uma teologia que esteja mais próxima da beleza do que da verdade, porque da visão da beleza surgem os amantes, mas com a verdade se acendem fogueiras”3

 

Notas

 

1 LIBÂNIO, JOÃO B. “Um riso de criança” in Sobre Deuses e Caquis. Rio de Janeiro: ISER, 1988, p. 60.  

2 ALVES, Rubem 300 Pílulas de Sabedoria. São Paulo, 2015, 35. 

3 ALVES, 2015, p. 201

 

 

Imagem: http://www.lupaprotestante.com/blog/la-belleza-de-dios/ 

 

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