A Palavra que me habita

17 de Julio de 2019

[Por: José Neivaldo de Souza]




“A palavra une, mas também separa; serve ao amor e à amizade, mas também ao rancor. Liberte-se da palavra carregada de ódio”. 

Lev Tolstoi

 

 

Diz o ditado: “há três coisas na vida que jamais voltam: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida”. Das três coisas, me chama atenção, “a palavra pronunciada” que, assim” como a “flecha lançada”, pode servir à vida ou à morte. 

 

A palavra, ainda que seja insignificante, tem a função de explicar o pensamento e expressar a realidade das coisas. O problema se coloca quando a mesma palavra serve para disfarçar ou maquiar a verdade. Florbela Espanca, poetiza portuguesa, observou que é próprio da miséria humana usar a mesma palavra tanto para a verdade quanto para a mentira.  Trocando em miúdos, diria o filósofo André Breton: “Uma palavra e tudo está salvo / Uma palavra e tudo está perdido”. Eis a contradição da palavra. 

 

Li, certa vez, uma fábula de Esopo: “A cabra e o pastor”. “Um pastor chamava as cabras para o estábulo. Como uma delas parou para devorar um arbusto saboroso, o pastor lhe jogou uma pedra. Foi tão certeiro que lhe quebrou um chifre. Ele pediu à cabra que não dissesse nada a seu dono. Mas a cabra retrucou: - Mesmo que eu fique calada, como esconder a verdade? Quem não veria meu chifre quebrado? Não há desculpas diante das evidências”.

 

Comparo a “palavra pronunciada” à pedra atirada. Esta fábula aponta para a ideia de que a palavra fora inventada para expressar, através da linguagem falada ou escrita, a realidade dos fatos e não para ocultar, dissimular ou desculpar as evidências. Quando o pastor se deu conta do que havia feito e viu que não podia voltar atrás, quis matar a palavra, silenciando a cabra. 

 

Para muitas pessoas, uma palavra jogada ao vento nada significa. Elas agem por antecipação. Colocando a palavra antes do pensamento, só vão se inteirar do que fizeram depois de terem ouvido ou refletido sobre o que disseram. O filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard diria que tais pessoas recorrem ao poder da palavra a fim de abafar o livre pensamento do qual elas fogem. São almas que se fecham ao pensamento. Rubem Alves escreveu sobre isso ao dizer que este tipo de alma “nada ouve da melodia do Grande Mistério porque está chafurdada na confusão dos desejos e na confusão da vida. Quanto mais ávidos do milagre, mais longe de Deus”. 

 

A palavra é como uma semente lançada à terra, mesmo caindo em solo infértil, não perde a viagem, serve de alimento aos pássaros ou de adubo aos espinhos. A dualidade da palavra nos faz refletir e nos impulsiona a discernir acerca do melhor caminho. O profeta Isaías (55, 11) testemunha isso ao escrever: “a Palavra que sair da minha boca não voltará vazia, mas realizará a obra que desejo e atingirá o propósito para o qual a destinei”. Jesus ensinou, através de uma simples parábola (Mt 13, 3-9), que a palavra, assim como a semente, dependendo do chão que a acolhe, vai se multiplicar e produzir muitos frutos. Ouvindo a voz do Mestre, às vezes é mais sábio o silêncio, pois uma palavra, posta fora do contexto, pode destruir a beleza da comunicação.

 

O ser humano é ser de linguagem e, como escreveu o poeta Octavio Paz: “é uma metáfora de si próprio”. Através da palavra, ele se cria e recria o mundo à sua volta para nele trabalhar e descansar; por meio dela, ele domina o seu ambiente transformando as pessoas, conduzindo-as ao caminho do amor, da justiça e da paz. Retomando as palavras de Tolstoi, que nos serviram de epígrafe, é preciso nos libertar dos discursos carregados de ódio para nos colocarmos no cultivo de palavras que libertam e conduzem à vida.

 

 

Imagem: http://botanicatienda.com.ar/p/la-palabra-como 

 

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