No fim do caminho tinha uma pedra

30 de Mayo de 2019

[Por: José Neivaldo de Souza]




“Será possível, então, um triunfo no amor? Sim. Mas ele não se encontra no final do caminho: não na partida, não na chegada, mas na travessia” Rubem Alves

 

Tudo se torna mais simples e interessante quando deixamos de focar o fim e admiramos o trajeto. Não acredito em destino, este fim programado para o qual marchamos. Prefiro a aventura do caminho, o enfrentamento do mundo sem a certeza de que tudo está pré-determinado. Não o enfrentamento de quem só enxerga a si mesmo, mas o enfrentamento que considera o “agora” como o melhor tempo para amar e ter compaixão.

 

Perdemos tempo e nos angustiamos pensando no que há de vir, nos ideais da linha de chegada. Geralmente seguimos a lei maquiavélica, no bom sentido da palavra, “o fim justifica os meios”, como se o futuro importasse mais que o presente; como se o ideal a ser conquistado falasse mais alto do que a conquista do agora. Muitas vezes vivemos uma escatologia que, invés de nos libertar e nos alegrar, nos causa ansiedade e pânico, tornando-nos obcecados e tristes. 

 

“O Espírito, dizia Sêneca, quanto mais voltado para o futuro, mais infeliz”. Tem razão o filósofo romano! Esta ansiedade pelo futuro tanto pode antecipar desgraças, quanto procrastinar bênçãos. A gente vai aprendendo: viver por um ideal só vale a pena se, somente se, ele for se revelando na caminhada. O caminho vai se formatando na medida em que caminhamos. A alegria da chegada, pensada para o futuro, não se concretiza a não ser no agora. O “ainda não” do futuro, onde vive o destino e o fim de todas as coisas, é sempre uma expectativa do pensamento, uma promessa susceptível de realização ou não. 

 

Hoje, à tarde, determinei que estaria às 21:30 na frente do consultório onde minha esposa trabalha. Foi um compromisso firmado com ela e eu não podia atrasar. Não podia? Por que não? Quem determinou, de forma absoluta, esta responsabilidade? Durante o trajeto, vi um motoboy estirado ao chão. A noite fria e chuvosa não favoreceu a sua visão dentro do capacete e ele se chocou com um carro que passava. Meu coração pedia para ajudá-lo, meu pensamento, assim como muitos que desviavam o seu trajeto, também me direcionava à agenda, na expectativa de chegar pontualmente ao meu destino. Fui mais um que não fez diferença nenhuma no agora de alguém. 

 

Este fato me fez pensar o texto bíblico em que Jesus fora abordado por um legalista judeu (Lc 10,25-35). Este queria saber o que fazer para alcançar a vida eterna. Jesus respondeu que ele devia “amar” a Deus e ao seu próximo. A vida eterna não é um lugar relegado ao futuro, apesar de apontar para uma dimensão vindoura. Ela se revela “já”, no presente, no agora. A dinâmica de Jesus, de tão humanitária, só podia ser divina. Não somos reféns do futuro, de um destino ou um lugar previamente determinado. O futuro se constrói no presente; a chegada se concretiza no caminho; o fim se revela no meio. O perito pergunta ao Mestre: “quem é o meu próximo?” Jesus então conta que um homem descia para Jericó e uns ladrões o assaltaram e o espancaram deixando-o quase morto à beira do caminho. Passou um sacerdote olhou o corpo, desviou-se dele, como se faz com um obstáculo, e seguiu a diante. Passou também um levita e fez a mesma coisa. Mas, um samaritano, viu o homem, teve compaixão e cuidou dele. Quem mais amou?     

 

Meditando sobre esta parábola, me pus a pensar: eu podia ter feito diferente na vida de um necessitado. O peregrino que traça a sua rota, focado em seu destino, ainda que enxergue os obstáculos, passando ao largo, é um derrotado. Leio um pensamento de Buda que me diz: a causa da derrota está na falta de vontade e disposição e não nos obstáculos. Quem visa o futuro e não se dispõe a enfrentar as dificuldades e limitações do presente, não experimenta a vitória que teve sobre si mesmo. 

 

Quem é o sujeito do caminho? É um “eu” que ocupa um lugar a partir de onde se divide e multiplica. É no caminho que ele busca as respostas que o ajudam a continuar em frente. É no caminho que ele encontra outros “eus” que, como ele, estão perdidos, mas que compartilham experiências, testemunhos, milagres e o ajudam a observar, diante da pluralidade de atalhos, a melhor trilha. Enfrentar os obstáculos e superá-los é o nosso grande desafio nesta caminhada da vida. Melhor do que uma “vida eterna”, programada para o futuro, é a “vida terna” que pipoca no aqui e agora daqueles que decidem amar. 

 

 

Imagem: https://morfoespacios.blogia.com/2011/091701-paisajes-henri-michaux-.php 

 

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