[Por: José Neivaldo de Souza]

Jesus não quis fundar uma religião! Eis o problema do qual tenho me ocupado. Há tempos tenho me perguntado: a que serve a religião? Não tenho interesse em julgar outros credos, como se eles fossem diabólicos e minha fé santa e boa. A análise que faço se restringe ao cristianismo, minha confissão, na qual procuro encontrar um caminho em busca de sentido. Digo “um”, pois não acredito na ideia do caminho único. Irão me questionar: mas, o que você diria do versículo bíblico: “Eu sou o caminho”? Este é outro texto! Vou deixá-lo para outra oportunidade. Ser ou não ser religioso, esta é uma questão colocada aos evangelhos por apresentarem, ao mesmo tempo, a graça e a desgraça de ser religioso. 

A graça da religião está em destruir a vaidade, o excesso de autoconfiança, o ódio ao diferente, o medo da morte, a desigualdade entre as pessoas e, acima de tudo, o preconceito. É graça pura poder “religar” um espírito tenebroso a um espirito de luz, como o de Jesus de Nazaré. Ele revive a misericórdia de Deus, ofuscada pelo ódio e o medo do outro. Nele aprendemos a viver e conviver na diversidade, como mostram alguns relatos. 

Numa época em que os samaritanos eram perseguidos por fundamentalistas religiosos, com o aval dos líderes de Israel, foi libertador o encontro de Jesus com a samaritana (Jo 4,5-25). Ela compreendeu que o Deus verdadeiro não é propriedade de ninguém e nem se deixa prender a templos ou espaços, mas habita a alma humana conduzindo à verdade. Num contexto em que os doentes mentais eram violentamente expulsos e excluídos da comunidade, Jesus teve compaixão de um gadareno e o ajudou a resgatar sua dignidade (Mc 5,1-20). Elogiando a fé de um centurião romano, no momento em que os hebreus se achavam os herdeiros diretos de Abraão (Mt 8,10-13), o Mestre ensinou que a fé não é propriedade desta ou daquela religião, mas é dom divino para a vida e não para a morte. Na casa de Simão, o leproso, Jesus se surpreende com uma mulher derramando um frasco de perfume sobre sua cabeça (Mt 26,6-13). Ela, segundo alguns biblistas, oriunda de uma aldeia de pobres, miseráveis e insalubres, não se importou em “desperdiçar” o que era mais importante e valioso em suas economias. Enquanto os religiosos se preocupavam com o preço do perfume, ela se ocupava com o perdão que não tem preço. 

A desgraça da religião está em cultivar o ódio, o terror, a insegurança, a injustiça e a intolerância. Manter o espírito bélico é um dos propósitos de uma religião alienada aos poderes temporais; ela serve às barreiras que impedem o caminho e ofuscam as luzes da alteridade. 

Foi a religião que, aliada ao poder político e econômico, torturou e assassinou Jesus. Mais que uma pessoa, ele é um projeto de libertação e vida. Uma religião sem misericórdia é morte do outro, é puro engano; são convicções imaginadas ou inventadas a fim de produzirem violência e desigualdade social. Hoje, nos deparamos com a perseguição dos índios, negros, imigrantes etc., e muitas vezes com justificativas religiosas. Que tipo de religião é esta? 

Religião da Graça ou da desgraça? Ouvi que alguns padres e pastores e líderes cristãos são criticados e alguns ameaçados porque visitaram o ex-presidente Lula no cárcere. Será que as comunidades religiosas, que se sujeitam a este comportamento, estão falando a mesma linguagem de Cristo? Este tipo de religião cuja fé não se direciona à misericórdia e ao cuidado com o outro, não é de Deus! Uma fé orientada à promoção da vida, como bem escreveu Timóteo (1Tm 1,5), "procede de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera". Os que tiveram a oportunidade de visitar o Lula na prisão e o fizeram, entenderam o espírito da verdadeira fé: "Tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver" (Mt 25, 35-36). Qual religião agrada a Deus? Esta pergunta deve ser feita a todas às pessoas que se acham, de fato, "favoritas" de Deus.

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