Amor ao próximo

05 de Setiembre de 2018

[Por: José Neivaldo de Souza]




Tenho percebido, não só no âmbito familiar, mas no trabalho e em nossa sociedade, como é complicado viver a máxima cristã do “amor ao próximo”. Aliás, há muitas teologias sobre isso; sermões então, nem se fala. Falar é sempre mais fácil. Há um abismo entre dizer e viver. Falo isso, sem pensar, como o filósofo Jean-Paul Sartre, que o inferno são os outros. Parto das próprias dificuldades e limitações. Constato, muitas vezes, que minha atitude em relação ao outro é de indiferença; eu ignoro o fato de que é neste retorno, vindo do outro, que experimento a reciprocidade. A indiferença ao outro redunda em indiferença do outro em relação a mim. Pior que ser ignorado é ignorar, pois o ensinamento de Jesus, ao interpretar o segundo e maior mandamento da Lei de Deus é:  ame, abençoe, não revide com violência, não seja indiferente com os necessitados (Lc 6,27-30).  

 

A reciprocidade, na perspectiva cristã, não é a mesma do senso comum. Não a vejo como muitos dizem: “aqui se faz, aqui se paga!”. Muitas vezes pessoas más são recompensadas, até o final de suas vidas, e pessoas boas são levadas de forma brutal. A reciprocidade não é condicional, isto é, eu só faço o bem “se” receber o bem. Ela é incondicional e importante para a convivência social. 

 

Na lei da reciprocidade comum “gentileza gera gentileza”, mas o fato de ser gentil com os outros não me dá o direito de exigir que sejam gentis comigo. Vivo isso porque esta atitude é saudável a uma sociedade que cultiva o espírito de amor incondicional. Esta perfeição, como observa o teólogo italiano Carmine di Sante, não diz respeito à uma autorrealização do “Eu” que se reporta à própria satisfação, mas em se colocar para o outro, “acolhendo-o em sua estranheza e em sua inimizade”1. Se as pessoas são gentis comigo, que bom, se não, devo me contentar com o fato de exercer o dever de todo cristão. Aliás, Jesus, apesar de tanto amor, foi abandonado e desprezado, sem exigir da fórmula: “amor com amor se paga”. Disse ele: “Amem os seus inimigos, façam o bem aos que os odeiam” (Lc 6,27). 

 

Ouvir as pessoas é um gesto de amor e “amar alguém não é apenas um sentimento forte”, como escreveu Erich Fromm, “é uma decisão, um julgamento, uma promessa”.2 Decidir por escutar o outro é um gesto de amor e talvez seja o maior desafio a ser enfrentado, por conta de nossa história. Durante séculos temos a ideia de que a salvação nos pertence. Se alguém não crê já está condenado. Cultivamos uma doutrina excludente segundo a qual só na igreja de Jesus Cristo, pela fé em suas promessas e no seguimento de sua Palavra, há salvação.  Revelamos e estabelecemos que o nosso inimigo está fora da igreja. Este pensamento se estende entre nós e nos torna donos da salvação. O estranho não tem voz; ele deve ouvir. Cada um quer saber mais que o outro e tenta evangelizá-lo, mostrar o quanto sua boa nova, na religião, na política e no futebol, é a verdadeira. 

 

Este comportamento que nos dificulta a ouvir as pessoas. Quantas vezes me peguei surdo a alguém que tentou falar de suas dificuldades? Este hábito nos vem da doutrinação cristã e não do próprio Cristo. É uma atitude que, invés de ajudar na convivência humana, pelo contrário, atrapalha. Nelson Rodrigues confessou que o medo do outro tinha origem na convivência humana. Por outro lado, sabemos que é nesta convivência com o estranho, fora de nós, que percebemos quem de fato somos e que não há bem-estar em nossa vida que não seja pela experiência e aperfeiçoamento na relação com os outros.  

 

Que esta percepção sobre a dificuldade de amar ao próximo possa ser refletida à luz do mandamento cristão. Diferente do humanismo de Sartre, Mario Quintana, se aproxima do humanismo de Jesus ao escrever: 

 

“Na convivência, o tempo não importa.
Se for um minuto, uma hora, uma vida.
O que importa é o que ficou deste minuto,
desta hora, desta vida...
Lembra que o que importa
é tudo que semeares colherás.
Por isso, marca a tua passagem,
deixa algo de ti,...
do teu minuto,
da tua hora,
do teu dia,
da tua vida”.

 

Citas

 

 DI SANTE, Carmine. Responsabilidade: 0 eu-para-o outro. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 25-26. 

2 FROMM, Erich. A Arte de Amar. Belo Horizonte: Itatiaia, s/d., p. 83.

 

Imagem: http://bneibaruchmexico.blogspot.com/2015/07/amor-al-projimo.html 

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