Felizes os misericordiosos

17 de Mayo de 2018

[Por: José Neivaldo de Souza]




“Felizes os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia” (Mt 5,7). As palavras de Jesus fazem pensar. Ao lermos a Escritura sagrada nos deparamos com a ideia de que justiça sem misericórdia não é justiça. Esta teologia aparece na Bíblia hebraica e grega e nos convoca a aprendermos sobre o verdadeiro sentido de misericórdia.

 

Busco a etimologia da palavra e encontro, em latim, a junção de três conceitos: miséria, coração e doação. O que me faz ver a misericórdia como atitude de um coração que se compadece com os que sofrem pela opressão social, psíquica ou espiritual. Esta ideia é fundamental, pois a Bíblia não pode ser usada para cultivar preconceito e discriminação em relação aos mais vulneráveis de uma sociedade.

 

Na Bíblia hebraica, o termo misericórdia nos revela a face paterna e materna de Deus. De um lado, hesed indica a bondade de um Deus que cumpre suas promessas e “que não é homem para mentir” (Nm 23,19a). O salmista expressa bem isso: “Tende piedade de mim, Senhor, segundo a vossa bondade. Pela imensidade de vossa misericórdia, apagai a minha iniquidade” (Sl 50,3). Do outro lado, a palavra rahamim diz respeito a um Deus que, comparado a uma mãe, ama e cuida da vida que gerou. O profeta Isaías que o diga: “Porventura pode uma mulher esquecer-se do filho que gerou, não se compadecer dele, do filho de suas entranhas?” (Is 49,15a).

 

Na misericórdia transparece o Deus Pai-Mãe. Sua bondade e justiça são frutos do seu imenso amor. Certamente serei contestado por aqueles que interpretam a Escritura, numa perspectiva sexista e paternal, mas não me importo, tenho minhas razões. Deus, em seu mistério, é também comparado a uma mãe cujo amor é inteiramente gratuito é não há linguagem capaz de expressá-lo. Não vejo problema em descrever Deus em linguagem masculina e feminina. Ele não tem predileção sexual. O essencial é a certeza de que a misericórdia prevalece sobre o pecado que oprime e destrói. 

 

Quando se trata de existência humana sabemos que a raiz de toda opressão está num coração que experimenta as limitações e as contradições deste mundo. As Palavras do apóstolo Paulo ressoam, ainda hoje, ao identificarem esse coração: “não faço o bem que quero, mas faço o mal que não quero. E se faço o que não quero, não sou eu, mas o pecado que habita em mim” (Rm 7,19-20). Mas, ao mesmo tempo, o coração experimenta o mistério da saudade, da falta, da necessidade de um mundo melhor, mais justo e mais humano. O “eu” tem consciência de uma potência que unifica e se eterniza sobre toda forma de divisão e destruição. João Paulo II, em sua Carta sobre a “Misericórdia divina”, identifica este poder: “A autêntica misericórdia é, por assim dizer, a fonte mais profunda da justiça”. Em quais destes tesouros estará o nosso coração? (Lc 12,34). Há o tesouro dos poderes deste mundo e há o tesouro do Reino de Deus que é amor e justiça. O primeiro escraviza e o segundo liberta.

 

Leio os Evangelhos. Em Mateus e Lucas encontro a palavra grega Tò éleos que traduz misericórdia em amor e justiça. Cristo revela Deus, Pai-Mãe, à humanidade. Ele explica sua relação amor ao aplicar a si a metáfora materna de uma galinha que ajunta seus pintinhos sob suas asas. Ela cuida deles e os protege (Lc 13,34). Jesus revela a face de Deus-Pai que presa pela justiça, reprova os hipócritas e legalistas, que julgam segundo os próprios critérios, a fim de serem exaltados e admirados pela população. Estes, para o Mestre, não terão nenhum reconhecimento por parte do Pai (Mt 6,1).

 

Em Mateus (25,35-40), o Mestre faz menção às obras de misericórdia que revelam o rosto paterno-materno de Deus e pelas quais a Igreja de Cristo deve viver. O cristão, fiel a Cristo, tem consciência das obras de misericórdia, portanto assume o compromisso do Reino: matar a fome e saciar a sede dos necessitados; acolher, sem preconceitos, os imigrantes e os moradores da rua; agasalhar aqueles que passam frio; favorecer assistência aos doentes; levar esperança aos presos acabrunhados pelo desespero e a morte. Dá para entender as palavras de Jesus, retomadas da Antiga Escritura: “misericórdia quero e não sacrifício”

 

Quem revela o rosto misericordioso de Deus e, pela sua bondade, justiça e amor, acolhe os feridos no corpo e na alma, só pode esperar, para si, atitudes de misericórdia. Alcançarão misericórdia aqueles que praticam misericórdia. 

 

 

Imagem: https://www.faustyna.pl/zmbm/es/los-mayores-milagros-de-la-divina-misericordia-3/ 

Procesar Pago
Compartir

debugger
0
0

CONTACTO

©2017 Amerindia - Todos los derechos reservados.