26 de Enero de 2025
[Por: Emerson Sbardelotti]
Somos convidados e convidadas a provocar a humanidade inteira a reanimar nossos corações e nossas mentes com esperança, misericórdia e justiça. Somos peregrinos e peregrinas de esperança. Somos profetas das causas da Vida nas causas todas do Reino.
Cada profeta tem uma vocação específica, contudo, possuem três elementos em comum: 1. Forte experiência de Deus. 2. Ao experimentar Deus, certifica-se de que é o próprio Deus que o/a chama para uma missão especial. 3. Esta experiência causa uma mudança profunda em sua vida.
Paulo Freire afirma: “É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…”.
Quando falamos de mística estamos nos referindo ao mistério que nos faz viver. É o mistério que comunica, é o sentido que tende a construir uma fraternura na Terra: harmonia com a Natureza, com as coisas, entre nós, com Deus.
Mística: a palavra tem sua raiz na palavra mistério (mysterion – em grego – cf. Mc 4,11; 1Cor 2,1.7; Cl 1,27; Ef 1,9). O que é mística?
Mística é o fio condutor, uma linha invisível que une a memória e os sonhos, que une a história e a utopia, que une o passado e o futuro e que faz do presente uma grande festa, uma grande celebração. A mística busca o sentido da vida!
Mas qual é a pergunta crucial da Palavra de Deus? “Onde está o teu irmão?” (Gn 4,9). É esta pergunta que está em jogo e que direciona a mística das Comunidades Eclesiais de Base. Se a gente lê o Evangelho do Jesus de Nazaré; Ele irá dizer isso o tempo todo: “Amar a Deus e a teu próximo”, “Pai Nosso...Pão Nosso”.
A ação de Deus se dá através da nossa ação. E se pode perguntar: “Deus faz milagre na história?”. Faz! Mas jamais fora das coordenadas da história!
Qual é o segredo da mística hoje? É uma mística libertadora, inculturada e encarnada? É muito importante voltar às fontes: A história pessoal de cada um de nós!
Há vários conceitos e definições a respeito de espiritualidade, pois há várias espiritualidades. A que se propõe trabalhar aqui é a espiritualidade cristã, a espiritualidade latino-americana, a espiritualidade da libertação, enfim, a espiritualidade pé no chão!
A palavra espiritualidade tem sua raiz na palavra espírito (a ruah – em hebraico – cf. Gn 2,7). Mas, o que é Espírito? Somos morada deste Espírito? Espírito e espírito! Há diferenças? Onde está centrada a nossa espiritualidade?
Está centrada e fundada em Jesus de Nazaré, encarnado, morto e ressuscitado.
Assim cantamos aquela canção de D. Pedro Casaldáliga e Cireneu Kuhn para experimentarmos Deus na poesia e na música, a arte libertadora:
Ruah, vento de Deus![1]
Tu que sopras onde queres,
Vento de Deus gerando vida,
Sopra-me, sopra-me,
Sopra-me, Sopro fecundo,
Sopra-me, sopra-me,
Sopra-me, Sopro fecundo.
Sopra-me, vida em Teu Sopro,
Paz inquieta e Esperança.
Faze-me todo janelas
Olhos abertos e abraço.
Tu que sopras onde queres,
Vento de Deus gerando vida,
Sopra-me, sopra-me,
Sopra-me, Sopro fecundo,
Sopra-me, sopra-me,
Sopra-me, Sopro fecundo.
Leva-me em Boa Notícia
sobre os telhados do medo.
Passa-me em torno das flores
Beijo de graça e ternura.
Tu que sopras onde queres,
Vento de Deus gerando vida,
Sopra-me, sopra-me,
Sopra-me, Sopro fecundo,
Sopra-me, sopra-me,
Sopra-me, Sopro fecundo.
Joga-me contra a injustiça
em furacão de verdade.
Deita-me encima dos mortos,
boca profeta a chamá-los.
Tu que sopras onde queres,
Vento de Deus gerando vida,
Sopra-me, sopra-me,
Sopra-me, Sopro fecundo,
Sopra-me, sopra-me,
Sopra-me, Sopro fecundo.
Sempre recordo as palavras de Sua Santidade, o Dalai-Lama quando este diz a Leonardo Boff: “Espiritualidade é aquilo que faz no ser humano uma mudança interior”.
Aquilo que transforma nosso ser, nos leva a transformar a sociedade, se não o faz, não é espiritualidade, é espírito de porco!
A espiritualidade é parte constituinte do ser humano. A espiritualidade é basicamente uma teimosa esperança, uma ardente fé, um amor inflamado que vai em direção à contemplação da compaixão e do cuidado. Nenhuma espiritualidade é autêntica se não se converter em compaixão e cuidado.
A espiritualidade se caracteriza por:
1. A alteridade – conduz à vivência da espiritualidade. Muito além das fronteiras legais de um Estado, estão as pessoas humanas, os “nós” e “eles”, onde se tornam necessários o diálogo e a vivência da alteridade.
2. A comunidade de fé – muro de contenção. A espiritualidade é força do amor Ágape, que forma a comunidade. A comunidade se torna então um ponto de convergência, para onde convergem os iguais. A espiritualidade se identifica e se fortalece com pessoas que vivem a mesma situação de vida.
A espiritualidade é a raiz profunda de nossa força. A espiritualidade é beber do próprio poço!, como diria o saudoso amigo e irmão Gustavo Gutiérrez.
A espiritualidade cristã se não estiver inserida na caminhada de libertação do povo, ao mesmo tempo que fincada na tradição bíblica e eclesial, nada será, não terá nenhuma importância.
Continuamos com sede. Sede de paz, sede de amor, sede de justiça, sede de fraternidade, sede de alegria, sede de respeito, diálogo e encontro. A espiritualidade vive da gratuidade e da disponibilidade.
Portanto, espiritualidade é a capacidade do ser humano de dialogar com o Eu profundo e com o Totalmente Outro que lhe fala. É a possibilidade dada e recebida, graciosamente, de ouvir os apelos do coração e dialogar com o que nos transcende, o que nos inunda de mistério. Nesse sentido, a espiritualidade é a aura que sustenta os valores de solidariedade, compaixão, cuidado e amor, fundamentais para uma sociabilidade verdadeiramente humana e, se é verdadeira, portanto é divina. A espiritualidade requer, de quem a experimenta, muita fé e também muitas obras. A espiritualidade libertadora é aquela que está diretamente relacionada com a libertação integral da pessoa humana e que lança suas redes em águas mais profundas quando se trata de defender a vida nova e soberana para todos. É uma espiritualidade de resistência num mundo de exclusões, violências, extermínios e de descarte. A espiritualidade que é capaz de articular uma enorme fé no Criador, fomentar o cuidado com a criação e ensinar a partilhar fraternalmente, é, essencialmente, libertadora. Portanto, provoca uma mudança de dentro para fora, pois se sai ao encontro do outro, e deste encontro, modifica-se de fora para dentro, e retorna-se cheio de amor e esperança. É uma espiritualidade que não nos deixa frios nem mornos, mas sempre quentes. Essa mudança profunda, que transforma o ser humano por inteiro, na revelação bíblica se define como uma forma de estar no mundo. Interpretando todos os acontecimentos à luz da fé e agindo por impulso do Espírito que nos liberta das idolatrias (idolatria é tudo aquilo que nos afasta do divino, que nos leva a desgraça) e nos transforma para criar comunidade solidária.
Que a mística e a espiritualidade da libertação, fortaleça nossa caminhada enquanto peregrinos e peregrinas de esperança; enquanto membros das Comunidades Eclesiais de Base; enquanto profetas nesta sociedade marcada por tanto ódio, preconceito e discriminação. Caminhando juntos e juntas somos Igreja em saída e em uníssono poderemos cantar o refrão do Hino do Jubileu 20252[2]:
Chama viva da minha esperança,
este canto suba para Ti!
Seio eterno de infinita vida,
no caminho, eu confio em Ti!
Ergue os olhos, move-te com o vento,
não te atrases: chega Deus, no tempo.
Jesus Cristo por ti se fez Homem:
aos milhares seguem o Caminho.
Amém. Axé. Awirê. Aleluia!
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