Partilha da Palavra: 24º. Domingo do Tempo Comum

15 de Setiembre de 2024

[Por: Emerson Sbardelotti]




 

PRIMEIRA LEITURA

Leitura do Livro do Profeta Isaías 50,5-9a

 

Na Primeira Leitura deste Domingo Dia do Senhor, o trecho que lemos e ouvimos do Segundo Isaías (Is 40-55), anuncia para nós o terceiro canto do Servo do Senhor (que abrange os capítulos 49-55). A perícope de hoje, relembra para nós que é Deus que nos prepara e capacita para a missão: 1. Confortar o povo de Deus; 2. Transmitir o que ouviu para o povo de Deus; 3. Proteger o povo de Deus. E para não trair o conteúdo da profecia do Segundo Isaías, precisamos fazer o que o Servo fez: não levar em conta qualquer espécie de ofensa, em vista do compromisso assumido na defesa de todas as vidas.

 

Para L. Alonso Schökel e J.L. Sicre Diaz[1]: “Os anos centrais do século VI a.C., caracterizaram-se pelo rápido declínio do império neobabilônico e a aparição da nova potência: a Pérsia. Ambos esses fatos, intimamente relacionados entre si, condicionam a mensagem de Is 40-55. O império neobabilônico, fundado por Nabopolasar, atingiu o seu auge com Nabucodonosor (605-562) e praticamente com ele desaparece. [...] Mais tarde chega Ciro e é recebido como libertador, segundo ele nos informa no seu “Cilindro”: “Todos os habitantes de Babilônia, como também todo o país de Sumer e de Acad com os príncipes e magnatas, prostraram-se diante dele [Ciro] e beijaram-lhes os pés, alegres por ter ele recebido a realeza e com rostos radiantes. E desta forma, felizes, aclamaram-no por seu senhor aqueles que, mediante o seu socorro, haviam recobrado a vida, retornando da morte, e foram liberados do dano e da desgraça”. A atividade do Dêutero-Isaías desenvolve-se nos anos que precederam a esta entrada vitoriosa. E é fácil imaginar a atitude dos exilados durante esses anos. A deportação de 597 jamais foi assimilada pelos judeus. Desde o primeiro momento esperaram pelo rápido retorno à Palestina. Porém, as ilusões se frustraram no ano 586, quando um novo grupo de compatriotas foi transferido para “junto dos canais da Babilônia”. [...] E junto com ódio, os desejos de vingança, a nostalgia da terra prometida, os anseios de libertação.

 

Entretanto, esses sentimentos vêm acompanhados de crise da fé e da esperança. [...] E isto reveste gravidade especial, visto que os anos que se seguem colocarão sério problema teológico. As notícias que chegam sobre as vitórias de Ciro fazem esperar uma pronta libertação. O profeta o confirma. [...] Em concreto, nada nos consta a respeito do autor deste magnífico livro: só o que sabemos é que ele é extraordinário teólogo e inspirado poeta. [...] Em Is 40-55 aparece 21 vezes a palavra ‘ebed (“servidor”, “servo”), sempre no singular (com exceção de 54,17) e sempre no sentido honorífico (com exceção de 49,7). [...] O corpo intermediário é dividido geralmente em dois grandes blocos: 40-48 e 49-55. O primeiro focaliza a libertação de Babilônia e o retorno à terra prometida; Ciro cumpre missão importantíssima como libertador; e são frequentes as polêmicas contra deuses gentios, para demonstrar que só Iahweh é o Senhor da história. A segunda parte (49-55) tem seu ponto central na restauração e glorificação de Jerusalém, apresentada, às vezes como cidade, outras vezes como esposa; caso interpretarmos em sentido individual a figura do Servo, esta segunda parte é dominada pelo contraste entre personagem feminina (Sião) e outra masculina (o Servo). [...] Não se chama “servo”, porém, a ele se assemelha; não se chama profeta, porém, narra uma vocação profética com os seguintes elementos: vocação para a palavra, sofrimentos na sua missão, confiança no Senhor. [...] O Senhor modela inteiramente o seu profeta: dá-lhe uma língua, abre-lhe os ouvidos. Este profeta, como Isaías (6,8), não opõe resistência ao chamado de Deus: é esta a sua inocência e a sua justificação. No desempenho da sua missão ele aceita plenamente o sofrimento. Como não resiste à palavra do Senhor, tampouco resiste às injúrias humanas: é esta a sua segunda justificação. No meio do sofrimento ele experimenta o socorro do Senhor, socorro esse que o torna mais forte do que a dor. A não resistência podia ser considerada como confissão de culpa, que dá razão ao adversário. O profeta, porém, confiando só no Senhor, apresenta-se tranquilo ao juízo humano. Cf. Jo 8,46. Deus é o “defensor”, masdîq, que demonstrará a inocência do acusado, conseguirá a sua absolvição: o tema penetra triunfantemente no NT: com relação a Cristo, Jo 16,8-11 (o defensor é o Espírito) (SCHÖKEL & DIAZ, 1988, p. 270-271; 276; 280; 329-330).

 

Todas as pessoas que doam suas vidas para defenderem todas as vidas, são os servos e as servas do Senhor!

 

SALMO RESPONSORIAL 114(115),1-2.3-4.5-6.8-9 (R. 9)

 

O refrão do Salmo de hoje: Andarei na presença de Deus, junto a ele na terra dos vivos, temos uma sintonia com o Mês da Bíblia 2024 – Livro de Ezequiel, no lema: Colocarei em vocês o meu Espírito e vocês reviverão (Ez 37,14).

 

O Salmo é uma oração pessoal de ação de graças. A pessoa tendo sofrido grave doença, clamou, foi ouvida e agora agradece a intervenção divina, reafirmando sua fé no seguimento no Deus da Vida diante de todo o povo. A pessoa curada se encontra nos átrios do Templo de Jerusalém. O Deus deste Salmo é o mesmo do Êxodo e da Aliança.

 

Luis Alonso Schökel[2] diz: “Caminhar na presença ou proceder de acordo com: protegido por Deus, que não o perde de vista. O país dos vivos é esta terra superior, à luz do sol, contraposta à região subterrânea dos mortos” (SCHÖKEL & CARNITI, 2021, p. 1402).

 

SEGUNDA LEITURA

Leitura da Segunda Carta de São Tiago 2,14-18

 

José Bortolini[3] afirma: “Tiago mostra-lhes o engano: “O que adianta se alguém disser que tem fé, mas não tem obras? Poderá a fé salvá-lo?” (v. 14). O que adianta afirmar “Eu creio” se essa profissão de fé não se traduz em prática? [...] O texto emprega a imagem do cadáver: sem espírito, o corpo está morto e não reage. Assim acontece com a fé: sem as obras, estará morta em si mesma (cf. v. 17). Portanto, as ações de justiça são a alma da fé, o princípio vital que move à ação. Sem elas não é possível alguém afirmar ser cristão. [...] As boas intenções não são suficientes para que alguém possa se declarar cristão, mesmo que acredite “de corpo inteiro” em todas as verdades da fé!” (BORTOLINI, 2010, p. 446-447).

 

EVANGELHO

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 8,27-35

 

No Evangelho de hoje, nós ouvimos da boca de Jesus de Nazaré, a pergunta central de todo o Evangelho de Marcos: “Quem as pessoas dizem que eu sou?”. O Evangelho de Marcos, desde o capítulo 1 até o texto de hoje perguntará para seus leitores e leitoras: Quem é Jesus? Do texto de hoje até o capítulo 16, o Evangelho de Marcos perguntará: Como seguir Jesus?

 

Algumas palavras merecem nossa atenção no relato bíblico de hoje:

 

1.    Messias: etimologicamente, ungido do Senhor (mashiah em hebraico, meshiha em aramaico, traduzido por christos em grego. Aquele que faz a mediação salvífica do povo de Israel, levando-o ao triunfo sobre as outras nações.

2.    Filho do Homem: Uma possível tradução desta expressão é “Filho da Humanidade”. A releitura que a comunidade faz quando Jesus diz “o Filho do Homem”, é na perspectiva de Ezequiel. Depois da ressureição de Jesus, “o Filho do Homem” é visto, é lido na perspectiva apocalíptica de Daniel. Filho do Homem significa: eu não sou nada. Sou igual a todo mundo.

3.    Satanás: do hebraico, designa o Adversário por excelência. Aparece como adversário sobrenatural do povo de Israel na época do império persa (séculos VI-IV AEC), quando este nome comum se tornou nome próprio, personificando o mal. E vem a pergunta: nós estamos sendo adversários/as de Jesus ou seguidores/as?

 

Carlos Bravo Gallardo[4] explica: “Jesus teve que ir modificando sua prática com base na análise que ia fazendo da resposta do povo. Suas ações foram mal interpretadas, não despertam a fé no Reino e o levaram a um enfrentamento com o Centro; sua família o tem por louco, seus compatriotas se escandalizam dele, seus discípulos não sabem quem ele é. Insiste no silêncio, para diminuir o nível de periculosidade para si mesmo e para sua causa, porém ainda mais o divulgam. Teve que abandonar a proteção de um ensinamento cifrado para enfrentar abertamente a hipocrisia do Centro judeu; e teve que fugir para território pagão; a morte do Batista já é uma séria advertência. Depois de tudo isso, o que é que conseguiu com o povo? Não esperam o Reino de Deus, mas o reino de Israel, de vingança contra seus inimigos; e dele esperam que encabece a revolta contra os romanos, que se converta naquele que os satisfaz em todas as necessidades. Como o vê o povo, seus discípulos? E, sobretudo, como o vê o próprio Deus? Este duro momento de “crise de autoidentificação” marca uma cesura no relato, após o que virá um novo começo e uma nova prática.

 

Pela primeira vez aparece “o caminho”, entendido como lugar da prática de Jesus; sua importância em toda esta seção é evidente. O povo analisa a prática de Jesus a partir de esquemas do passado, ainda que dentro do esquema profético, não do sacerdotal-fariseu. Frustra-se a esperança de Jesus de que os discípulos o situem corretamente. Pedro o enquadra dentro do esquema popular: é o líder a cujo triunfo esperam estar associados. A resposta de Pedro, ortodoxa em sua formulação verbal, não corresponde ao que Jesus pensa de si mesmo nem ao que Deus quer dele; no contexto sócio-político de dominação romana e de expectativas alentadas pela resistência, e no contexto do conflito com o Centro, essa “confissão” (de suas próprias expectativas de poder) é perigosamente ambígua para Jesus e para o Reino. Por isso a cortará secamente, como primeira correção. Porém não basta proibir; “começou a ensinar-lhes”, retifica a “confissão” messiânica e lhes diz que prevê um final violento, contrário ao triunfo que esperam.

 

A partir deste momento sua prática mudará: deixa o povo e se dedica à formação dos discípulos. A correção da confissão messiânica será pelo recurso à imagem e à sorte do “Filho do Homem”, expressão não usual para designar o Messias e que lhe permite evitar melhor as más interpretações. Porém lhe dá um conteúdo desconcertante: não é o “glorioso Filho do Homem”, de Daniel 7; é mais próximo ao Servo sofredor (Isaías). Esse futuro é tão evidente para Jesus que ele decide expô-lo claramente a seus discípulos. Pedro não compreende, e enfrenta Jesus, que considera sua conduta como tentação do próprio Satanás. Enfrentam-se dois modos de pensar sobre a prática pelo Reino: o que a concebe de acordo com o esquema humano de um poder que se impõe e o que a concebe a partir de Deus, como força de vida que se oferece indefesa à liberdade humana. Por sua maneira de pensar Pedro se situa no círculo dos opositores de Jesus, no círculo de Satanás; esta dura mudança de sentido é uma advertência para o seguidor de Jesus. Este relato é omitido totalmente por Lucas e está muito matizado em Mateus (16,22); é claro que Marcos lhe dá uma dimensão mais dramática: não se trata de uma confissão messiânica modelar; ainda que “ortodoxa” na forma, é satânica no conteúdo e na intenção. A Pedro parece absurda a posição de Jesus, sobretudo num momento em que o auge de sua popularidade faz imprevisível o fracasso anunciado por Jesus; porém para este é evidente o caráter irreversível e crescente do conflito.

 

Jesus chamou os discípulos para que partilhassem com ele de sua missão de pregar e curar; agora o horizonte muda para Jesus, e isso implica uma mudança no seguimento. Por isso, embora corra o risco de que, mudadas as condições tão bruscamente, os discípulos já não queiram segui-lo e o deixem só, deve repropor honestamente um novo começo: “Se alguém (todavia) quiser vir após mim”, saiba que já não se trata de continuar fazendo o que até agora vem sendo realizado, mas de renunciar aos próprios projetos de poder e interesses, para carregar a cruz de uma condenação por parte do Centro político e religioso. Jesus não convoca a sofrer; não pensa na cruz pela cruz mesma, mas em uma cruz (condenação político-religiosa) que é consequência indubitável das opções que fez; cruz indubitável não por decisão de Deus, mas por decisão dos homens, que tornam difícil a vida a Deus e a seus filhos na história. Neste momento de crise, o termo “seguimento” se amplia com um novo conteúdo.

 

Assim como Jesus honestamente lhes propõe a mudança, com a mesma honestidade os enfrenta com as exigências do “kairós” e do Reino, e com critérios para decidir. Não deixa a resposta ao critério da conveniência fácil, porque o que está em jogo é questão de vida ou morta não só para o povo, mas também para o que é convidado a seguir Jesus. Deve-se ter em conta para a decisão os seguintes elementos: - Neste kairós, a única maneira de conservar a vida é arriscando-a por Jesus e pelo Reino; pretender o poder às custas de arruinar a vida não compensa. – Isto que é válido em vista do presente o é sobretudo diante da futura vinda do Filho do Homem, diante de quem se deverá responder sobre a opção tomada. Sem pretender determinar a “consciência messiânica” histórica de Jesus, podemos dizer que o relato de Marcos apresenta aqui uma correção da “confissão messiânica”: não é qualquer confissão de Jesus como Messias que é “cristã”; o que a faz cristã não é a ortodoxia do termo usado, mas o conteúdo que se lhe dá. Não basta confessar que “Jesus é Messias”, o importante é “que tipo de Messias se diz que Jesus é” e até onde se está disposto a acompanha-lo” (GALLARDO, 1997, p. 173-179).

 

Até onde estamos dispostos, dispostas a seguir Jesus de Nazaré? Como eu respondo a todas as perguntas que foram colocadas nesta Partilha da Palavra? Como nós, enquanto Comunidades Eclesiais de Base respondemos a todas estas perguntas que foram colocadas? O caminho que Jesus de Nazaré nos propõe no Evangelho de Marcos, que ouvimos, que lemos, é o caminho da cruz. Não há “jeitinho brasileiro” para chegar na Salvação, sem passar pela Cruz! O caminho de Jesus de Nazaré é o serviço, nunca foi o poder. Jesus de Nazaré, o Servo do Senhor representa com suas palavras e ações o servir. Quem busca o poder é Satanás. O poder é uma artimanha do adversário do Reino de Deus.

 

Como consideração final, convido você a cantar este canto de comunhão, antigo e bonito, que nos ajuda a refletir um pouco mais o Evangelho deste Domingo Dia do Senhor:

 

NINGUÉM PODE SE ORGULHAR[5]

(Pe. Geraldo Leite Bastos)

 

Ninguém pode se orgulhar a não ser nisto,  

nos orgulhamos na cruz de Jesus Cristo.

Nele está a vida e a ressurreição

nele, a esperança de libertação!

 

 1 - Deus se compadece e de nós se compraz,

      em nós resplandece seu rosto de paz.

 

2 - Pra que o povo encontre, Senhor, teu caminho

      e os povos descubram teu terno carinho.

 

3 - Que todos os povos te louvem, Senhor,

      que todos os povos te cantem louvor!

 

4 - Por tua justiça se alegram as nações,

      com ela governas da praia aos sertões.

 

5 - O chão se abre em frutos, é Deus que abençoa!

      E brote dos cantos do mundo esta loa!

 

José Antonio Pagola[6] adverte: “Seguir Jesus não é obrigação. É livre decisão de cada um. Mas é preciso levar Jesus a sério. Não bastam confissões fáceis. Se quisermos segui-lo na sua apaixonante tarefa de tornar o mundo mais humano, digno e ditoso, precisamos estar dispostos a duas coisas. Primeiro, renunciarmos a projetos ou planos opostos ao reino de Deus. Segundo, aceitar os sofrimentos que podem vir por seguirmos Jesus e identificar-nos com sua causa” (PAGOLA, 2019, p. 224).

 

Amém! Axé! Awirê! Aleluia!

 

ARTE-VIDA: Maximino Cerezo Barredo

 

Emerson Sbardelotti

Simplex agricola ego sum in regnum vitae



[1] SCHÖKEL, L. Alonso. DIAZ, J.L. Sicre. Profetas I – Grande Comentário Bíblico. São Paulo: Paulus, 1988.

[2] SCHÖKEL, Luis Alonso. CARNITI, Cecilia. Salmos II (Salmos 73-150) – Grande Comentário Bíblico. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2021.

[3] BORTOLINI, José. Roteiros Homiléticos – Anos A, B, C, Festas e Solenidades. 5.ed. São Paulo: Paulus, 2010.

[4] GALLARDO, Carlos Bravo. Jesus Homem em Conflito – O relato de Marcos na América Latina. São Paulo: Paulinas, 1997.

[5] Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=sH0G5u4dNOM>. Acesso em: 10 set. 2024.

  Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=EzVnhYBUo7w>. Acesso em: 10 set. 2024.

[6] PAGOLA, José Antonio. A Boa Notícia de Jesus – Roteiro homilético Anos A, B e C. Petrópolis: Editora Vozes, 2019.

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