Partilha da Palavra:  1º. Domingo da Quaresma

26 de Febrero de 2023

[Por: Emerson Sbardelotti]




PRIMEIRA LEITURA

Leitura do Livro do Gênesis 2,7-9;3,1-7

 

A pergunta fundante desta leitura é: Quem é o ser humano? Da argila da terra Deus criou o ser humano! É uma afirmação de fé! Uma afirmação teológica!

 

Para John L. Mackenzie[1]: “A composição do homem a partir da argila pode ser encontrada tanto no Egito como na Mesopotâmia; nesta, o componente espiritual era o sangue. Na narração hebraica, esse importante elemento é substituído pelo hálito de Deus, princípio da vida. O casal andava nu, o que representava o controle do apetite sexual. Os dois são tentados pela serpente para comerem do fruto proibido e depois expulsos do Éden” (MACKENZIE, 1984, p.13).

 

A leitura é o segundo relato da criação. Ele procura mostrar o projeto de Deus a respeito dos seres humanos, e a perversão do mesmo projeto pelos próprios seres humanos. Deus planejou para os seres humanos um jardim. Seríamos os jardineiros e as jardineiras deste jardim, o que possivelmente, por causa da nossa dedicação e cuidado com o jardim, daríamos a ele o nome de paraíso. Deus plantaria de tudo neste jardim, nós teríamos apenas o trabalho de colher e cuidar. Mas, a curiosidade matou o gato; como bem diz o nosso povo. Desobedecendo o pedido de Deus, o ser humano provocou desarmonia, conflito e medo em toda a criação. 

 

Segundo José Bortolini[2]: “O jogo da serpente, símbolo da autossuficiência e da idolatria, é fazer com que as pessoas, apropriando-se da árvore do conhecimento do bem e do mal, se tornem como Deus, conhecedoras do bem e do mal (3,4). Quando nos colocamos no lugar de Deus roubamos uma prerrogativa que pertence unicamente ao Criador e nos tornamos idólatras, pois cultuamos a nós mesmos e a nossa ganância. A ganância é escrita no cap. 3 sob a forma de comer. Esse verbo, que aí aparece várias vezes, outra coisa não é senão o desejo de possuir tudo e todos” (BORTOLINI, 2010, p. 57).

 

SALMO RESPONSORIAL 50(51),3-4.5-6a.12-13.14.17 (R. cf. 3a)

 

Este Salmo[3] é um pedido de misericórdia. Uma súplica individual. 

 

O pecador, a pecadora, volta seu olhar para Deus ao reconhecer que errou, tomando consciência, pedindo perdão. Somente na profundidade da graça de Deus é que o ser humano retoma sua dignidade de filho e filha de Deus.

 

Carlos Mesters nos diz: “Diante da acusação de Deus, cabe agora ao ser humano reconhecer seus limites e suas faltas. Pedindo perdão, o pecador se reconhece culpado, suplica por misericórdia e piedade, enquanto aguarda o julgamento de Deus. Ao arrepender-se, o salmista reconhece que apenas Deus foi fiel à Aliança. O perdão de Deus é a oportunidade que o orante tem de retomar a proposta da Aliança. O verdadeiro sacrifício não está nas liturgias exuberantes, mas em viver com o espírito contrito e simples diante de Deus. O Salmo traz a resposta de cada fiel, individualmente. Trata-se de um reconhecimento pessoal de todas as faltas humanas que quebram a Aliança entre YHWH e seu povo. No Salmo, o povo reconhece que houve uma quebra da Aliança e YHWH não é o culpado. Reconhecendo individual e publicamente sua culpa, e pedindo perdão numa liturgia comunitária, o orante demonstra total confiança na misericórdia divina, revelando seu desejo em perseverar na caminhada do povo” (MESTERS, OROFINO & WEILER, 2016, p. 176-177).

 

Rezando e cantando este Salmo me lembrei de uma canção, que é um resumo do Salmo de hoje:

 

LAVAI-VOS (Is 1,16-17)

(Márcio Pimentel)

 

Lavai-vos, purificai-vos

a maldade de vós tirais.

 

Lavai-vos, purificai-vos

a maldade de vós tirais.

 

O mal deixeis de lado,

vosso olhar ao bem voltai.

 

O mal deixeis de lado,

vosso olhar ao bem voltai.

 

SEGUNDA LEITURA

Leitura da Primeira Carta de São Paulo aos Romanos 5,12-19

 

Na leitura de hoje, observamos que, para o apóstolo Paulo, o pecado entrou no mundo trazendo a morte, e esta tem sua raiz no egoísmo que há em todos, todas, nós. Pela desobediência curiosa de Adão todos, todas nós conhecemos o pecado. Pela obediência salvífica de Jesus de Nazaré, todos, todas nós conhecemos a graça que transborda do peito de Deus. 

 

José Bortolini[4] nos diz: “O interesse de Paulo não é tanto mostrar o contraste entre Adão e Cristo, quanto reforçar a ideia de que, pelo Batismo, estamos vivendo tempo e regime novos, pois em Cristo a humanidade renasceu para a vida plena. O tempo da graça é infinitamente superior ao regime da escravidão e da morte, pois “não acontece com a graça o mesmo que acontece com a falta. Portanto, se pela falta de um só todos morreram, com maior razão se espalhou sobre todos com abundância a graça de Deus e o dom concedido em um só homem, Jesus Cristo. A solidariedade de Jesus para conosco, e a nossa para com ele, abriu o caminho para a fraternidade universal. Fraternidade sem justiça é mentira. E paz sem justiça é impossível” (BORTOLINI, 2010, p. 60).

 

Lembro-me, com saudade, de uma aula que assisti, de meu saudoso amigo, irmão e professor João Batista Libânio, em que ele disse uma frase, que me acompanha em todos os momentos da minha vida e que está em sintonia com a leitura de hoje: “No início, está a Graça; no meio está a Graça; no fim está a Graça! Tudo é Graça de Deus em nossa vida; sendo assim, não há espaço para o pecado!”. 

 

EVANGELHO

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 4,1-11

 

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil[5] afirma: “A narrativa da tentação está profundamente ligada com o batismo, onde o Espírito de Deus revela quem é Jesus. Esse mesmo Espírito conduz Jesus pelo deserto para ser tentado, o que nos faz lembrar o tempo do êxodo, quando o povo também foi tentado. Jesus age como Moisés e Elias. Ora, Moisés e Elias personificam a Lei e os Profetas, o que para os judeus, era todo o Antigo Testamento. Jesus passa quarenta dias e quarenta noites jejuando. Mesmo exausto vence a Satanás pela força do Espírito e é reconhecido como Filho de Deus. O texto fala em diabo e Satanás. Diabo é uma palavra grega que significa separar, dividir. Satanás é uma palavra hebraica que significa adversário, o acusador, o inimigo que dificulta e atrapalha os planos e projetosaquele que suja a água para o poço parecer mais fundo. Jesus foi posto a dura prova e violenta pressão. Seus opositores queriam que ele demonstrasse com milagres extraordinários sua missão messiânica. A primeira tentação que o Evangelho descreve é a proposta diabólica de aproveitar do fato de ser Filho de Deus e resolver o problema da fome com abundância de alimento, transformando as pedras do deserto em pão. Essa primeira tentação reflete o clima apocalíptico da época. Esperava-se um Messias que fosse mudar rapidamente a situação de deserto em montanhas de pão, sem a participação popular. Aliás, era costume nas grandes festas o rei distribuir pão em abundância para os participantes. A proposta de Jesus permanece a mesma. A abundância de pão não será manifestação de poder, mas da partilha fraterna e da gratuidade de Deus. Estar na abundância enquanto a grande maioria passa fome é uma contradição com a proposta de um Deus que é Pai-Mãe e quer participação e vida para todos. A segunda tentação é para que Jesus use do seu poder, desafiando sua confiança na proteção de Deus. O diabo cita o Sl 91, onde Deus promete amparar o justo. Como resposta Jesus cita Dt 6,16 mostrando que usar o projeto de Deus para se exaltar diante dos outros é o mesmo que tentar a Deus. Conhecer o projeto de Deus é responsabilidade e não privilégio. A terceira tentação refere-se ao poder e à riqueza. Aqui Jesus não é mais chamado Filho de Deus. A proposta é direta: “Eu te darei tudo isso, se te ajoelhares diante de mim, para me adorar” (4,9). Poder e riqueza são propriedades do diabo. Ambas as coisas são fruto do roubo e do acúmulo. Esta é a tentação mais sutil, e por isso mesmo, mais diabólica: querer pertencer ao reino sem romper com o sistema. As três tentações refletem o clima apocalíptico, as expectativas messiânicas do povo da Palestina de tornar Israel uma grande nação, um sonho muito presente nas comunidades de Mateus mesmo depois de tantos anos da morte e ressurreição de Jesus” (CNBB, 1998, p. 52-55).

 

Podemos resumir as três tentações da seguinte forma: Primeira tentação – realizar a justiça do Reino mediante a abundância. Segunda tentação – realizar a justiça do Reino mediante o prestígio. Terceira tentação: realizar a justiça do Reino mediante o poder.

 

É urgente e necessário realizarmos o pedido que Jesus de Nazaré nos faz nesta Quaresma, nesta Campanha da Fraternidade: “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16). 

 

A CNBB[6] nos diz que: “A Campanha da Fraternidade é o modo brasileiro de celebrar a Quaresma. Ela não esgota a Quaresma. Dá-lhe, porém, o tom, mostrando a partir de uma situação bem específica, o que o pecado pode fazer quando não o enfrentamos. Por isso, a cada ano, recebemos um convite para viver a Quaresma à luz da Campanha da Fraternidade e viver a Campanha da Fraternidade em espírito de conversão pessoal, comunitária e social. Este ano, com o tema “Fraternidade e Fome”, somos convocados a considerar a fome como referência para nossa reflexão e nosso propósito de conversão. A fome, bem sabemos, é um ato de preservação. É um sinal para que não nos distraiamos quando nosso organismo sente falta do necessário para viver. O que ocorre, porém, quando o alimento não chega a todo ser humano? Por isso, a fome é também um desafio social, humanitário, uma situação que não se pode deixar de enfrentar, pois a fome de uns – a fome de uma só pessoa! – onera a todos nós, onera a sociedade inteira. Esta é a razão pela qual o Papa Francisco, sem rodeios, afirma que “não há democracia se existe fome”. E o Brasil sente fome. Milhões de brasileiros e brasileiras experimentam a triste e humilhante situação de não poder se alimentar nem dar aos seus filhos e filhas o alimento indispensável a cada dia. Por isso, a CNBB apresenta, pela terceira vez, o tema da fome para a Campanha da Fraternidade (1975, 1985 e 2023). A primeira foi em 1975, com o tema “Fraternidade é repartir” e o lema “Repartir o pão”, no clima do Ano Eucarístico que precedeu o Congresso Eucarístico Nacional de Manaus, com os mesmos tema e lema e desejava intensificar a vivência da Eucaristia em nosso povo. A segunda foi em 1985, outro Ano Eucarístico, desta vez em preparação para o Congresso Eucarístico de Aparecida, com o lema “Pão para quem tem fome”. Agora, em 2023, logo depois do 18º. Congresso Eucarístico Nacional, realizado em Recife, de 11 a 15 de novembro de 2022, sob o tema “Pão em todas as mesas”, a Igreja no Brasil enfrenta pela terceira vez o flagelo da fome, com um lema que é uma ordem de Jesus aos seus discípulos: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16). É vocação, graça e missão da Igreja obedecer e cumprir a ordem de Jesus. É uma expressão de coragem deixar que o Evangelho nos interpele uma vez mais com o mandato tão claro e desafiador de Jesus: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Não é fácil ouvir o chamado à responsabilidade, porque, à medida que o texto bíblico ilumina o caminho que se abre quando tomamos consciência da nossa missão, ele também evidencia as sombras que existem em uma vivência distante do Evangelho, que tem se tornado rotineira e povoado o cotidiano da sociedade do nosso tempo. Colocar-se sob a luz da Palavra de Deus é, portanto, uma atitude profética da Igreja, que vê a realidade e professa a fé de que só a Palavra pode responder às indignações mais veementes, como fonte de esperança, cuja escuta faz brotar alternativas para soluções concretas (CNBB, 2023, p. 6-7; 17; 60-61).

 

Puxando pela memória: lá em 1975, as CEBs cantavam assim:

 

OS CRISTÃOS TINHAM TUDO EM COMUM (OFERENDAS)[7]

(Carlos Alberto Navarro / Waldeci Farias)

 

Os cristãos tinham tudo em comum

Dividiam seus bens com alegria

Deus espera que os dons de cada um

Se repartam com amor no dia a dia

 

Deus criou este mundo para todos

Quem tem mais é chamado a repartir

Com os outros o pão, a instrução

E o progresso, fazer o irmão sorrir

 

Mas acima de alguém que tem riquezas

Está o homem que cresce em seu valor

E liberto, caminha para Deus

Repartindo com todos o amor

 

Puxando um pouco mais pela memória: lá em 1985, as CEBs cantavam assim:

 

O PÃO DA VIDA (Comunhão)[8]

(Pe. José Weber, SVD)

 

O Pão da vida, a comunhão, nos une a Cristo e aos irmãos; 

e nos ensina a abrir as mãos, para partir, repartir o Pão. 

 

Lá, no deserto, a multidão com fome segue o Bom Pastor, 

com sede busca a Nova Palavra: Jesus tem pena e reparte o pão.

 

Na Páscoa Nova da Nova Lei, quando amou-nos até o fim, 

partiu o Pão, disse: “Isto é meu Corpo, por vós doado: tomai, comei!”

 

Se, neste Pão, nesta comunhão, Jesus por nós dá a própria vida, 

vamos também repartir os dons, doar a vida por nosso irmão.

 

Onde houver fome, reparte o pão, e tuas trevas hão de ser luz: 

encontrarás Cristo no irmão, serás bendito do Eterno Pai.

 

Não é feliz quem não sabe dar, quem não aprende a lição do altar: 

de abrir a mão e o coração, para doar-se no próprio dar.

 

Abri, Senhor, estas minhas mãos, que para tudo guardar se fecham! 

Abri minha’alma, meu coração, para doar-me no eterno dom.

 

         Precisamos cuidar de quem tem fome. Quem tem fome, tem pressa!       

         Uma Santa Quaresma para todos, todas, vocês.

Amém! Axé! Awirê! Aleluia!

 

ARTE-VIDA: Maximino Cerezo Barredo / Luís Henrique Alves Pinto

 

Emerson Sbardelotti

Simplex agricola ego sum in regnum vitae.

 

 

[1] MACKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. 4.ed. São Paulo: Paulus, 1984.

[2] BORTOLINI, José. Roteiros Homiléticos Anos A, B, C, Festas e Solenidades. 5.ed. São Paulo: Paulus, 2010.

[3] Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Knm-Exc6xMM>. Acesso em: 25 fev. 2023.

[4] BORTOLINI, José. Roteiros Homiléticos Anos A, B, C, Festas e Solenidades. 5.ed. São Paulo: Paulus, 2010. 

[5] CNBB. Ele está no meio de nós! – O Semeador do Reino – O Evangelho segundo Mateus. São Paulo: Paulinas, 1998.

[6] CNBB. Campanha da Fraternidade 2023: Texto-Base. Brasília: Edições CNBB, 2022.

[7] Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qQ502nY_EO4>. Acesso em 25 fev. 2023.

[8] Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=jZVqI9Fo0jI>. Acesso em: 25 fev. 2023.

Procesar Pago
Compartir

debugger
0
0

CONTACTO

©2017 Amerindia - Todos los derechos reservados.