Partilha da Palavra: Natal do Senhor – Ano A

24 de Diciembre de 2022

[Por: Emerson Sbardelotti]




PRIMEIRA LEITURA

Leitura do Livro do Profeta Isaías 52,7-10

 

Para o Segundo Isaías ou Dêutero-Isaías, acontecerá um novo êxodo para o povo de Israel, tudo parte do plano de Deus. A leitura de hoje retrata a fase final do exílio na Babilônia (587-538 a.EC.). O texto provavelmente foi escrito na Babilônia entre os anos 550-538 a.EC. para confortar os exilados e alimentar neles a viva fé e a esperança de retornarem a Sião (Jerusalém). A salvação vem de Deus, e quem crê verá a libertação com os próprios olhos.

 

O trecho que ouvimos hoje se dá no contexto da conquista da cidade de Babilônia, por Ciro, o persa, soberano de um pequeno reino dentro do império dos medos, potência rival do império babilônico, que estrategicamente foi tomando espaço dentro do império medo e depois conquistou o império babilônico. 

 

Para o Segundo Isaías, é importante que o povo exilado, perceba a ação de Deus nesses acontecimentos. Sua fé em YHWH, o Deus criador, lhe dá a certeza que o povo será recriado e salvo. Com a vitória de Ciro, o Segundo Isaías passa a vê-lo como instrumento de Deus na libertação do povo exilado e escravizado: um ungido, um messias. Em 538 a.EC., Ciro permite que os exilados voltassem para Jerusalém, reconstruíssem a cidade e o Templo.

 

Anthony R. Ceresko[1] afirma: “Os autores geralmente concordam que os caps. 44-55 provêm da pena de poeta-teólogo, herdeiro da tradição do Isaías “histórico”, mas que dirigiu uma mensagem de consolação e de esperança aos judeus exilados em Babilônia mais ou menos entre 550 e 539 a.EC. Um objetivo que pode deduzir do estilo e da forma da poesia do Segundo Isaías é a intenção do profeta de mediar conflitos e disputas no interior da comunidade exilada. Junto com este esforço para mediar e reconciliar, havia a tarefa mais fundamental de preparar a comunidade para o futuro. O que o futuro haveria de trazer ainda não era totalmente claro. Havia ansiedade e conflito sobre como reagir diante desses fatos. O Segundo Isaías escreveu para levar mensagem de consolação e encorajamento, e acima de tudo mensagem de esperança a esse povo desorientado e vulnerável (CERESKO, 2011, p. 244-247).

 

SALMO RESPONSORIAL 97(98),1.2-3ab.3cd-4.5-6 (R. 3cd)

 

O refrão do salmo[2][3] de hoje repetem o final da profecia de Isaías na Primeira Leitura: todos os confins da terra hão de ver a salvação que vem do nosso Deus. É um salmo de louvor que celebra a justiça de Deus. Percebemos que a salvação e a criação são duas faces da mesma manifestação de Deus em nosso meio. Portanto, o Reino de Deus vai se implantando mediante a prática da justiça e da retidão.

 

Reginaldo Veloso[4] explica: “Esse é um dos salmos denominados “salmos do reino”. Em meio à opressão que o povo bíblico sofria dos impérios inimigos, o reinado divino era a esperança de uma intervenção libertadora que viria manifestar a justiça e a libertação do seu povo. O salmo nos estimula a contemplar hoje esses sinais da presença e da atuação do amor divino no mundo. O universo todo é um grande templo da presença divina. No tempo da colonização, os espanhóis descobriram que o povo indígena Mexica não aceitava louvar a Deus fechado em templos, mas somente na natureza aberta, como são os templos de vários povos antigos. Esse salmo nos convida a nos unir a todo o universo no louvor ao Amor divino manifestado na natureza e na história, para fazer irromper entre nós o seu reino de justiça (VELOSO in BARROS, 2016, p. 128).

 

Para José Bortolini[5]: “A palavra ‘maravilha’ é muito importante em todo o Antigo Testamento, a ponto de ser uma das características exclusivas de Deus. Somente ele faz maravilhas, e estas são nada mais nada menos do que seus grandes atos libertadores em favor de Israel. É por isso que Israel (e, neste salmo, toda a criação) pode cantar um cântico novo.  A novidade está no fato extraordinário produzido pelo braço santo vitorioso de Deus. É, provavelmente, um hino que celebra a segunda grande libertação de Israel, ou seja, a volta do exílio na Babilônia. YHWH venceu as nações, lembrando de seu amor e de sua fidelidade em favor da casa de Israel” (BORTOLINI, 2013, p. 404).

 

Neste salmo a proposta de salvação por Deus é para todos, todas; sem distinção!        

 

SEGUNDA LEITURA

Leitura da Carta aos Hebreus 1,1-6

 

Jesus de Nazaré como o ponto alto da criação e da história, a mais perfeita revelação de Deus, é o centro deste trecho da Carta aos Hebreus. O contexto da Carta: cristãs e cristãos em situação difícil, perseguidos pelos judeus e pelos romanos, sobrevivendo num ambiente hostil à fé em Jesus de Nazaré.

 

Apesar das perseguições, o trecho de hoje relembra-nos que Deus havia falado por meio das matriarcas, dos patriarcas, dos/as profetas e por último, por meio de seu Filho amado. Imagem perfeita de um Pai amoroso, misericordioso, bondoso e justo.

 

Segundo José Bortolini[6]: “O autor tem pressa em mostrar Jesus Cristo como centro da história e sua plenitude ao mesmo tempo, expressão acabada da comunicação de Deus com seu povo. Ele resume toda a comunicação e revelação do Antigo Testamento (“nos tempos antigos”) no grupo dos profetas – fato que irá ressaltar o papel profético do Filho. Parece que o autor ignore propositadamente a Lei como fonte de revelação, pois ao longo do discurso a Lei será apresentada como algo que já passou. Deus sempre se comunicou, mas sua expressão máxima é o Filho, inaugurador do final dos tempos. Jesus é apresentado nessa solene introdução como 1. Herdeiro de todas as coisas, 2. Encarnação da Sabedoria, pela qual Deus criou o universo, 3. Palavra que sustenta o universo e 5. Senhor glorificado (o nome que herdou supera o nome dos anjos). Em poucas palavras resume-se tudo o que se pode dizer acerca de Jesus, expressão perfeita do Pai (“esplendor de sua glória, expressão do seu ser”) (BORTOLINI, 2010, p. 35).

 

EVANGELHO

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João 1,1-18

 

O Prólogo do Evangelho de João apresenta-nos uma sabedoria que era anterior a Jesus de Nazaré e que se manifestou nele.  A luz é o tema central da liturgia do Natal. Jesus de Nazaré é a tenda que nos protege do sol e da chuva, mas também, é luz que ilumina a nossa caminhada por todos os anos de nossa vida, do primeiro ao último sopro. Quem quiser conhecer a Deus é só conhecer Jesus de Nazaré e colocar em prática tudo o que ele falou e fez. Tudo que João narra sobre Jesus de Nazaré está em plena sintonia com a obra criadora de Deus.

 

A Palavra se encarnou e armou sua tenda sobre, entre e em nós!

 

José Bortoloni[7] explica: “O Prólogo é a mais brilhante síntese do Evangelho de João. Ele contém em miniatura todos os grandes temas que o corpo do evangelho desenvolverá. É poesia. É um baú de ressonâncias do Antigo Testamento. Não é pura coincidência começar com as mesmas palavras com que se inicia a Bíblia grega, criando uma ponte simbólica entre Gn 1,1 e Jo 1,1. Em ambos os casos, lá está a Palavra criadora e geradora de vida. O que é a Palavra? É a força criadora que a tudo dá vida. Mas o Prólogo parece ir além, fazendo a Palavra existir desde sempre junto de Deus. Descobre-se a intenção de quem compôs o Prólogo: Jesus é a Sabedoria criadora de Deus, existindo desde sempre junto dele. O que é a Sabedoria? É o sentido da vida presente em todas as coisas. O tema da luz – primeira criatura de Deus – aparece com força. Luz é o resplendor da vida, a vida brilhando intensamente. Aqui, no Prólogo, salienta-se o confronto entre luz e trevas. No Evangelho de João, as trevas são as forças de morte agindo na sociedade e que põem obstáculos à prática de vida de Jesus (BORTOLINI, 2010, p. 33-34).

 

A Palavra está em nós, está no mundo e está voltada para Deus.

 

Nos primeiros anos de minha atuação na CEB Nossa Senhora do Magnificat, lembro-me das peças teatrais que montávamos dentro da Igreja para comemorar o Natal. Das muitas canções escolhidas para a trilha sonora daquela apresentação, em especial estava uma do querido Pe. Zezinho, scj, que veio em minha memória com a força de águas represadas e que se encaixa muito bem nesta Partilha da Palavra:

 

PROLÓGO[8]

(Pe. Zezinho, scj)

 

Bem no começo dos tempos

só havia o infinito,

infinito que estava em Deus,

infinito que era Deus.

Infinito que era o Verbo que existia

e que residia no próprio Deus.

 

Neste infinito habitava                      

o princípio de toda vida.

Infinito que é nossa luz,

infinito que é luz de Deus.

Esta luz viu a humana treva, se fez presente

E suavemente se acendeu.

 

E foi ele quem criou tudo que existe.

E, sem ele, ser algum podia ser.

E este Verbo, luz de Deus, que a tudo assiste

entre nós um certo dia vem viver.

 

Houve um profeta famoso

que por Deus foi preparado

para dar testemunho da luz,

para dar testemunho da luz.

Pra dizer que ela já chegara e que já brilhava,

entre nós estava o profeta Jesus.

 

E eis que Jesus aparece

lá no chão da Galileia, 

anunciando a restauração,

proclamando a libertação.

Sua luz fustigou as trevas que o rejeitaram

e crucificaram, dizendo não.

 

Mas houve um grupo de gente

que aceitou sua palavra

e com ela se comprometeu,

e com ela se comprometeu.

Essa gente parece nada, mas na verdade

é predestinada a viver em Deus.

 

E foi ele quem criou tudo que existe.

E, sem ele, ser algum podia ser.

E este Verbo, luz de Deus, que a tudo assiste

entre nós um certo dia vem viver.

 

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil afirma: “O Evangelho segundo João começa com um hino que introduz os grandes temas e dá o tom do livro. É bem possível que tenha sido um hino especial. Os antigos gostavam de cantar os pontos principais de sua fé, como nós cantamos o Glória. No Novo Testamento temos pequenos hinos como Cl 1,15-20 e 1Tm 3,16. O Prólogo pode ter sido um hino assim. Em resumo, ele diz o seguinte: desde o início da criação, a Palavra de Deus está viva e atuante no universo. Mas em Jesus Cristo esta Palavra assumiu uma presença toda especial, exigindo de nós uma tomada de posição a seu favor. Vale a pena: este Jesus vive em total intimidade com o Pai e solidariedade conosco; ele fará de nossa vida uma vida realmente “nova”. Este hino diz muito em poucas palavras. Vamos imaginar seu enredo em cinco cenas; o personagem central, mesmo antes de aparecer, é Jesus Cristo. 1ª. cena: A Palavra de Deus no princípio. No princípio, antes da criação, havia o vazio; trevas; ventos uivantes sacudiam gigantescas ondas num misterioso abismo. Caos total. A Palavra de Deus ressoa no vazio: LUZ! Imediatamente nasce a luz que tudo envolve e tudo reveste de cores. As trevas retiraram-se amuadas: detestam essa luz que não conseguem apagar. É o primeiro dia da criação. Em seguida, dia após dia, a Palavra divina, cheia de autoridade e poder, arranca os seres do nada, traz ordem, comunica vida, luz, dinamismo. 2ª. cena: A Palavra de Deus libertadora. A criação, passagem do caos para a ordem do mundo habitável, é encarada pela Bíblia como libertação. 3ª. cena: A Palavra de Deus “encarnada” na Bíblia. Quando os tempos estavam maduros para isto, Deus enviou sua Palavra criadora e salvadora ao mundo: ela devia conviver com os homens, iluminar seu caminho, sustentar sua vida. De que modo? Na forma de uma coleção de Escritos, de Livro. Como fiel depositário deste Livro, Deus escolheu um povo pequenino, praticamente ignorado. Nele, esta Palavra que ali passou a morar recebeu um nome: Torá (= ensinamento, lei orientadora, mais tarde: Bíblia). Este povo considerou-se a “joia”, o “tesouro” de Deus (Ex 19,5). Mas muitas vezes não deu à Palavra a esperada acolhida: a Palavra misericordiosa do Pai foi usada, demasiadas vezes, para fazer sofrer os filhos; para desviar do que é realmente importante. 4ª. cena: A Palavra de Deus presente em Jesus Cristo. 

 

Concluo esta Partilha da Palavra com um pensamento do Bem-Aventurado D. Helder Camara, desejando a todos, todas, vocês um Santo, Feliz e Subversivo Natal:

 

“Gosto de pensar o Natal como um ato de subversão...

- Um menino pobre;

- Uma mãe “solteira”;

- Quem assiste seu nascimento é a ralé da sociedade (pastores);

- É apresentado por gente “de outras religiões” (magos, astrólogos);

- A “família” tem que fugir e viram refugiados políticos;

- Depois volta e vai viver na periferia;

O resto, a gente celebra na Páscoa...mas com a mesma subversão...

Sim! A revolução virá dos pobres!

Só deles pode vir a salvação!

Feliz Natal!

Feliz subversão!”.

 

Paz e Bem!

Abençoado 2023.

Vida longa e próspera!

 

Amém! Axé! Awirê! Aleluia!

 

ARTE-VIDA: Maximino Cerezo Barredo / Luís Henrique Alves Pinto

 

Emerson Sbardelotti

Simplex agricola ego sum in regnum vitae.

 

 

[1] CERESKO, Anthony R. Introdução ao Antigo Testamento numa perspectiva libertadora. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2011.

[2] Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=7epsqpUIJfg>. Acesso em 23 dez. 2022.

[3] Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=3159zeNJN5k>. Acesso em 23 dez. 2022.

[4] BARROS, Marcelo. Diálogos com o Amor: Com os Salmos orar o hoje do mundo – Com a colaboração de Agostinha Vieira de Mello e Reginaldo Veloso (na tradução poética dos Salmos). Goiânia: Kelps, 2016.

[5] BORTOLINI, José. Conhecer e Rezar os Salmos – comentário popular para nossos dias. 5.reim. São Paulo: Paulus, 2013.

[6] BORTOLINI, José. Roteiros Homiléticos Anos A, B, C, Festas e Solenidades. 5.ed. São Paulo: Paulus, 2010.

[7] BORTOLINI, José. Roteiros Homiléticos Anos A, B, C, Festas e Solenidades. 5.ed. São Paulo: Paulus, 2010.

[8] Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Lpou_dNkznI>. Acesso em 23 dez. 2022.

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