Partilha da Palavra:  Solenidade – Todos os Santos

06 de Noviembre de 2022

[Por: Emerson Sbardelotti]




PRIMEIRA LEITURA

Leitura do Livro do Apocalipse de São João 7,2-4.9-14

 

O Apocalipse de João é um dos livros mais procurados da Bíblia. Muitas pessoas, não entendem o seu sentido, mas se sentem atraídos/as, possuem uma curiosidade em ler este livro mesmo que não consigam entender o que ali está escrito. 

 

Apocalipse é uma palavra grega que quer dizer revelação. Revelação significa tirar o véu, desvendar, desvelar. Mostrar a revelação de Deus que está escondida dentro da nossa história! O Apocalipse de João quer revelar a boa notícia de Deus nos fatos da nossa vida, esta vida experimentada agora.

 

A leitura de hoje inicia com a aparição do anjo encarregado de proteger os servos de Deus. Servos no Apocalipse significa: profetas. O gesto de marcar a fronte dos servos de Deus, tem um triplo significado simbólico[1]: 1) É um gesto de propriedade. Desde a saída do Egito, o povo das comunidades é chamado a ser a propriedade especial de Deus (Ex 19,5-6). 2) É um gesto de proteção. Na saída do Egito, as casas assinaladas com a marca do sangue do Cordeiro tinham proteção contra o Anjo exterminador (Ex 12,7-13). 3) É um gesto de compromisso e de missão. Paulo diz que no batismo recebemos todos a marca ou o selo do Espírito Santo (2Cor 1,21-22). Ora, se nós das comunidades somos a propriedade de Deus, nossa proteção já está garantida! Por isso, despreocupados quanto à própria segurança, devemos preocupar-nos com a missão que assumimos no batismo (MESTERS & OROFINO, 1999, p. 37-38).

 

Segue-se então na leitura, o recenseamento dos eleitos: 144 mil[2]. O autor, utilizando o simbolismo dos números, mostra que os que lutam e resistem são muitos e formam uma totalidade perfeita: 144 mil é o resultado da multiplicação de números perfeitos: 12 x 12 x 1000 (BORTOLINI, 2010, p. 790).

 

Os 144 mil eram as 12 tribos do novo Israel, marcado com o selo do batismo. Mil = uma multidão. Aparece uma nova multidão. Uma imensa multidão que não vem das 12 tribos, mas da humanidade inteira. Gente que não foi marcada com o selo do batismo, mas com os sinais da vitória: veste branca e palma na mão. Encontram-se no céu, estão de pé diante do trono e do Cordeiro. 

 

Um símbolo junta dois elementos separados que, por essa junção, iluminam-se mutuamente: o Apocalipse associa a imagem do Cordeiro com a pessoa de Jesus de Nazaré. O símbolo é a maneira especial de ler a realidade, revelando uma dimensão mais profunda do que aquela que nossos olhos não veem. Sím-bolo vem do grego: sym-ballo, isto é: juntar, associar. Seu oposto é o di-abo, dia-ballo, isto é, separar, des-unir. A força de um símbolo está na sua capacidade de evocar e desvendar. Os símbolos atuam nas pessoas mesmo sem elas se darem conta. O símbolo provoca a criatividade e a geração de novas associações.

 

Quem são os/as que estão vestidos de branco? São os/as que vêm chegando da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro. Na América Latina e Caribe durante a ditadura militar, e um pouco depois do fim desta, muitos, muitas mártires adubaram com o próprio sangue este chão sagrado. Muitas teólogos e teólogos da libertação foram perseguidos, difamados, caluniados, silenciados e assassinados. Ainda hoje, continuam sendo. A memória destes/as mártires-santos/as animam nossa difícil caminhada para implantar uma Igreja dos pobres e em saída, toda ela sinodal. A memória destes/as mártires-santos/as nos ensinam a resistir, nos ensinam a enfrentar, nos ensinam a lutar pela defesa de todas as vidas, mesmo, se perdermos nossa própria vida!

 

E assim, podemos cantar aquele antigo e belo canto das CEBS que faz com que o Apocalipse de João se torne não motivo de medo, mas, motivo de esperança:

 

VEJO A MULTIDÃO EM VESTES BRANCAS[3]

(Pe. José Cândido da Silva)

 

Vejo a multidão em vestes brancas,

Caminhando alegre, jubilosa:

É a aclamação de todo o povo

Que Jesus é seu Senhor!

 

1. Também estaremos nós, um dia

Assim regenerados pelo amor.

Nesta esperança viveremos,

Somos a família dos cristãos

Nossa lei é sempre o amor.

 

2. Povo que caminha rumo à pátria,

A nova cidadela dos cristãos.

Passos firmes, muita fé nos olhos,

Muito amor carregam, são irmãos.

Nossa lei é sempre o amor.

 

3. Rumo à liberdade, decididos,

Nem sequer se voltam para trás.

Muita violência se fizeram,

Alcançaram com denodo a paz

Nossa lei é sempre o amor.

 

4. Nós aqui estamos ansiosos,

Celebrando o dia do Senhor.

Não nos custa crer, pois afinal,

Unidos já estamos no amor.

Nossa lei é sempre o amor.

 

SALMO RESPONSORIAL Sl 23(24),1-2.3-4ab.5-6 (R. cf. 6)

 

O salmo de hoje é inspirado e recorda uma procissão em que Davi trouxe a Arca da Aliança para Jerusalém. É momento de festa e de alegria pois o Deus Vivo está no meio do povo. É um salmo que orientava e animava a procissão dos peregrinos quando estes chegavam a Jerusalém para as grandes festas anuais. As pessoas que buscavam experimentar a presença de Deus no templo, deveriam ser sinceras em suas intenções.

 

O Senhor é o criador da terra, é o Senhor do mundo. O Senhor é aliado de Israel enquanto Israel criar relações de justiça, integridade e retidão. O salmo proclama que somente o Senhor é rei; a expressão “Rei da Glória” é uma crítica ao poder absolutizado. 

 

A bênção de Deus recai sobre aqueles e aquelas que tem mãos puras e corações inocentes.

 

SEGUNDA LEITURA

Leitura da Primeira Carta de São João 3,1-3

 

A carta é clara: não é possível amar a Deus sem amar o próximo e sem formar comunidade. O tema deste trecho da carta é viver como filhos e filhas de Deus. E para que isso possa de fato acontecer, devemos sempre praticar a justiça, para que a paz verdadeiramente aconteça; não haverá paz se não houver justiça social. O salmista é claro: justiça e paz se abraçarão!

 

Muitas pessoas preferem as coisas que o mundo oferece e esquecem de assumir o projeto de vida proposto por Deus. Ao assumirem filhas e filhos de Deus, assumem todas as consequências e benefícios que o processo de educação na fé apresentará durante a caminhada. A semelhança com Jesus de Nazaré só acontecerá quando de fato entendermos que nossa missão é ir na direção do mais necessitado, do descartável, do desprezado por todos e todas.

 

Nossa esperança é saber que através da prática da justiça, estamos traduzindo as ações e as palavras de Jesus de Nazaré para o momento atual, animando e purificando nosso caminhar juntos e juntas.

 

EVANGELHO

Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 5,1-12ª 

 

No Evangelho de Mateus, Jesus de Nazaré aparece como um catequista, um mestre da comunidade que ensina o caminho do Reino. O texto que é proclamado hoje faz parte de uma grande seção onde Jesus de Nazaré apresenta o programa do Reino, seu sentido e o manifesto do Reino. Em outras palavras: a justiça do Reino do Céu!

 

Luís Mosconi[4] afirma: Para tirar qualquer dúvida e para reafirmar nossa adesão ao novo jeito de viver, apresentamos Jesus como o nosso novo Moisés, aquele que é capaz de dar o sentido verdadeiro às leis (Mt 5,17). Como Moisés lançou o decálogo no monte Sinai (Ex 20), assim também Jesus subiu a um monte e lá promulgou uma nova lei para os seus discípulos: a lei das bem-aventuranças (Mt 5,1-12). Como lá no Sinai nasceu o povo da antiga aliança, assim, com as bem-aventuranças são para nós ponto de referência essencial. É aí que nos reconhecemos e nos identificamos. É aquilo que queremos ser. É o nosso projeto de vida, o nosso programa, o sentido na nossa caminhada (MOSCONI, 1990, p. 52).

 

O belíssimo e conhecido Sermão da Montanha, abrange do capítulo 5 ao 7. Somente o Evangelho de Mateus esses ensinamentos de Jesus de Nazaré estão organizados num único bloco. Neste bloco é apresentada a prática de Jesus de Nazaré como fundamento da maneira de agir da Igreja e de sua coerência com a chegada do Reino do Céu. Na base dessa prática está a justiça de Deus. É a partir da justiça de Deus que Jesus de Nazaré proclama as bem-aventuranças que podemos entender hoje como a Carta Magna para o bem viver em comunidade, é a nova constituição do Povo de Deus.

 

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil[5] nos diz: A primeira bem-aventurança se refere aos pobres em espírito ou pobres com o espírito. O termo “espírito” para os judeus indica força e atividade vital – presença de Deus na pessoa. Mateus tem à sua frente os empobrecidos de suas comunidades. Eles são os interlocutores das bem-aventuranças. Eles são os destinatários e os protagonistas da missão messiânica. As três bem-aventuranças seguintes se referem à dolorosa situação daqueles que precisam da libertação. A promessa está no futuro: - Felizes os aflitos ou os que sofrem – Trata-se da opressão e do sofrimento que o povo de Israel experimentou. A promessa é o fim da opressão. – Felizes os mansos – ou despossuídos da terra. São capazes de defender o que é seu sem usar de violência. A eles está prometida não a terra familiar, mas a terra comunitária, que significa liberdade e independência. – Felizes os que têm fome e sede de justiça – ou os famintos e os sedentos... Esta bem-aventurança resume bem as anteriores. Sem justiça o ser humano está em situação de morte. O reinado de Deus que é prática da justiça significa sociedade humana, vida digna. – Felizes os misericordiosos – ou os que sentem na pele o problema do outro e prestam ajuda. Não se trata simplesmente de sentimento, mas verdadeiro culto a Deus. E esse culto é criar laços de solidariedade a partir da prática da justiça e da misericórdia. É sobre isso que seremos julgados no juízo final. – Felizes os puros de coração – ou os retos – porque verão a Deus – Trata-se da integridade ou retidão. Tal integridade ou retidão de comportamento cria novas relações, onde há confiança mútua, porque há transparência entre as pessoas. Quem assim age já está face a face com Deus. O lugar da presença de Deus não é mais o Templo, mas as relações humanas e fraternas. Esta bem-aventurança ultrapassa a Lei do Puro e do Impuro, que exigia pureza ritual para entrar no Templo, lugar da habitação de Deus. Em Jesus, Deus está presente no meio do povo. As pessoas que assim agem estão promovendo a paz. – Felizes os que promovem a paz ou os que trabalham pela paz. Para os judeus, paz significa tranquilidade, direito, justiça. É a felicidade pessoal e coletiva. Esta bem-aventurança dá o rumo da prática das duas anteriores. Quem faz esse trabalho é verdadeiramente filho de Deus, porque está agindo de maneira semelhante ao Pai. – Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu – A comunidade dos pobres luta pela justiça a partir da prática da misericórdia, mexe com os interesses dos poderosos, daí a perseguição. O justo incomoda. Mateus reforça esta última bem-aventurança que trata da felicidade de ser perseguido por causa da justiça e mais ainda: perseguido por causa de mim. A palavra perseguição é mencionada duas vezes. Algo grave deveria estar acontecendo! Mateus inicia com Felizes os pobres em (pelo ou com) espírito, porque deles é o Reino do Céu. De fato, no meio dos pobres estão os sinais da presença do Reino. Basta olhar para perceber. A última bem-aventurança se liga com a primeira: Felizes os que são perseguidos por causa da justiça porque deles é o Reino do Céu. Ambas estão no presente. O reinado de Deus já está no meio das comunidades dos pobres perseguidos por causa da justiça (CNBB, 1998, p. 59-62).

 

Bem-aventurança é o mesmo que felicidade. Bem-aventurado é o mesmo que feliz! O ambiente das bem-aventuranças em Mateus são as comunidades de judeus convertidos ao Evangelho, que comportavam também, cristãos e cristãs vindos/as do paganismo, em torno do ano 90 EC., sob o reinado do imperador Domiciano. Mesmo sob perseguições e martírios, a comunidade em torno do Evangelho de Mateus soube enfrentar as tribulações, soube aproveitar a possibilidade de ser uma Igreja mais evangélica. Nossas CEBs vivem em meio aos conflitos do mundo urbano, assim como nas Primeiras Comunidades Cristãs, nós, também enfrentamos o problema da crise de identidade, com a tentação de abandonar tudo que o que nos define enquanto CEBs e é a nossa essência enquanto Povo de Deus. As CEBs são o lugar teológico das bem-aventuranças, por isso, são espaços de felicidade e profecia.

 

Para José Antonio Pagola[6]: Ao formular as bem-aventuranças, Mateus, diferentemente de Lucas, se preocupa em delinear as feições que devem caracterizar os seguidores de Jesus. Daí a importância que elas têm para nós nesses tempos em que a Igreja precisa ir encontrando seu próprio estilo de vida numa sociedade secularizada. Não é possível propor a Boa Notícia de Jesus de qualquer forma. O Evangelho só se difunde a partir de atitudes evangélicas. As bem-aventuranças nos indicam o espírito que deve inspirar a atuação da Igreja enquanto peregrina para o Pai. Devemos escutá-las em atitude de conversão pessoal e comunitária. Só assim caminharemos para o futuro. A sociedade atual precisa conhecer comunidades cristãs marcadas por esse espírito das bem-aventuranças. Só uma Igreja evangélica tem autoridade e credibilidade para mostrar o rosto de Jesus aos homens e mulheres de hoje (PAGOLA, 2019, p. 67-68)

 

As bem-aventuranças querem ser para nós hoje, orientações para um processo de educação na fé para a santidade. Elas são um programa de vida para trazer a felicidade plena para quem adere a este discurso de Jesus de Nazaré. O Reino de Deus é o projeto de Jesus de Nazaré na primeira e na última bem-aventurança. No miolo, estão a busca da justiça e da misericórdia. Só depende de nós, colocarmos em prática estas oito bem-aventuranças com todas as nossas forças, com toda nossa vontade somente assim haverá partilha e solidariedade.

 

Deus nos ajude a sermos sempre mais justos/as, solidários/as, amorosos/as, misericordiosos/as!

 

Amém! Axé! Awirê! Aleluia!

         

ARTE-VIDA: Maximino Cerezo Barredo / Luís Henrique Alves Pinto

 

Emerson Sbardelotti

Simplex agricola ego sum in regnum vitae.

 

 

[1] MESTERS, Carlos. OROFINO, Francisco. Apocalipse de João – Esperança, Coragem e Alegria – Círculos Bíblicos 2ª. parte. 2.ed. São Leopoldo: CEBI, 1999.

[2] BORTOLINI, José. Roteiros Homiléticos – Anos A, B, C, Festas e Solenidades. 5.ed. São Paulo: Paulus, 2010.

[3] Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=x6Ib-w9sk5A>. Acesso em 02 nov. 2022.

[4] MOSCONI, Luís. Evangelho Segundo Mateus. 4.ed. Belo Horizonte: CEBI, 1990.

[5] CNBB. Ele está no meio de nós! – O Semeador do Reino: O Evangelho Segundo Mateus. São Paulo: Paulinas, 1998.

[6] PAGOLA, José Antonio. A Boa Notícia de Jesus – Roteiro homilético Anos A, B e C. Petrópolis: Editora Vozes, 2019.

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