Geopolítica: O acesso à tecnologia é um dos principais conflitos

06 de Julio de 2021

[Por: Luis Miguel Modino | Revista O Lutador]




Três maneiras diferentes de entender a realidade, para vislumbrar pistas. É o que fizeram Pedro Ribeiro de Oliveira, Emilce Cuda e Raúl Aramendy num encontro virtual promovido pela Ameríndia, no qual refletiram sobre “Geopolítica na América Latina e Caribe”, uma reflexão no âmbito do evento virtual 2021 “ Teologia da Libertação: tecendo outros cenários ”.

 

Estados que vão além de seus territórios

 

Geopolítica é a projeção do poder de um Estado para além do seu território”, segundo Pedro A. Ribeiro de Oliveira, o que “implica guerras e diferentes formas de dominação ou influência sobre os territórios de outros Estados”. Analisando o panorama geopolítico mundial no século XXI, ele relaciona a vitória dos Estados Unidos na Guerra Fria com a vitória do mercado global sob a hegemonia de grandes empresas transnacionais. Isso fez dele o principal jogador, embora a crise financeira de 2008 tenha desencadeado o surgimento da China como uma alternativa clara.

 

Atualmente, a pandemia Covid-19 complica ainda mais uma transição tensa na geopolítica global. Desde 2008 a concentração da riqueza aumentou, segundo o sociólogo brasileiro, onde 147 grupos (75% são bancos) controlam 40% do sistema empresarial global. 1% dos habitantes da Terra possui uma riqueza equivalente aos 99% restantes. Na verdade, Ribeiro de Oliveira insiste que só cresce o capital financeiro e não cresce o capital produtivo. Soma-se a isso o clima de tensão militar, que gera um mal-estar geral.

 

A civilização moderna ocidental está em crise

 

O sociólogo argumenta que a civilização ocidental moderna (cristã, capitalista, colonialista, patriarcal e antropocêntrica) está em crise. Isso tem provocado movimentos reacionários, que querem salvar a civilização ocidental a qualquer custo, mas sem projeto, tendo o bolsonarismo como exemplo. Ele alerta que estar doente resulta em guerra, com base em uma série de desculpas. O resultado atual de tudo isso é uma caixa multipolar.

 

Pedro Ribeiro de Oliveira destacou o controle dos Estados Unidos sobre a América Latina, por meio de guerras disputadas pelo controle de informações pela internet, com notícias falsas. Nessa conjuntura, ele destaca as regiões ou países descontrolados, embora afirme estar longe de um otimismo ingênuo diante da dura realidade dos fatos. Destaca o sentimento de desânimo, o neocolonialismo existente, que exige pensar o novo da periferia, dos povos indígenas, insistindo na importância do uso adequado das redes sociais.

 

Terra, teto, trabalho e tecnologia

 

Emilce Cuda abordou a geopolítica a partir da tecnologia. Segundo ela, a chave da política é a unidade, lembrando as palavras do Papa Francisco, nas quais afirma que “ou nos unimos ou afundamos”. Na sua opinião, o desafio é encontrar a forma de ajudar a construir uma unidade que tenha em conta as necessidades, que o Papa Francisco sintetiza em termos de terra, teto, trabalho, e acrescenta a tecnologia.

 

Em suas palavras, ele destacou que “a ameaça tecnológica hoje é muito forte na América Latina”. Hoje o problema da tecnologia são as vacinas, lembrando as recentes palavras do Papa Francisco à OIT sobre a propriedade privada, que alguns entenderam como uma posição ideológica, “mas na realidade ela responde aos quatro princípios fundamentais da Doutrina Social da Igreja: dignidade humana, destinação universal dos bens, princípio de solidariedade e princípio de subsidiariedade ”.

 

Acesso gratuito ao desenvolvimento

 

A tecnologia é vista por Emilce Cuda como “o desenvolvimento de um bem criado, e deve ter acesso livre ”, que hoje é considerada a destinação universal dos bens, já que “acessar a tecnologia hoje é um dos principais conflitos”, insistindo que “a tecnologia é uma das formas pelas quais a propriedade privada se manifesta de forma absoluta .

 

Para ela, ao falar de política, o Papa Francisco fala de "processos justos de transição", que insiste na necessidade de não aprofundar as distâncias sociais no continente. Um exemplo disso é que muitas pessoas não têm conseguido receber a assistência social do estado porque não têm acesso aos aplicativos necessários para recebê-la. Isso mostra que a tecnologia é uma das grandes questões a serem resolvidas. A teóloga argentina, citando Fratelli tutti, recordou as palavras com que diz "Venho propor um estilo de vida com sabor evangélico".

 

Sentar e pensar o que fazemos com quem pensa diferente

 

“A política como forma implica poder unir a diferença”, segundo Cuda, o que implica “abrir o diálogo social”, que não é um diálogo entre amigos, mas entre duas partes em conflito. Por isso, insiste na necessidade de “sentar e pensar o que fazemos com quem pensa diferente ”, com a participação de todos, para que se desenvolva a tecnologia que permite reduzir as desigualdades.

 

Segundo a teóloga, não dá tempo de sair por aí debatendo ideologias, afirmando que hoje são os cristãos que sustentam este continente, porque a política deixou de encantar. Nessa pandemia, ela pensa que a Igreja, das organizações latino-americanas, é a mais ativa. Depois de tudo isso, voltou a insistir na necessidade de sentar e conversar para implementar um desenvolvimento tecnológico.

 

Crises que determinam a geopolítica

 

Toda política é geopolítica em meio a uma globalização neoliberal, segundo Raúl Aramendy, que afirmou que, pela primeira vez, a história humana está englobando completamente o planeta. Diante dessa perspectiva, defendeu a necessidade de “ouvir os povos amazônicos, como fonte de sabedoria, pensamento e sentimento”. Em sua visão, é preciso observar a geopolítica acompanhando as crises que vivemos hoje na América Latina e no mundo. Por isso falou de 9 crises que devem ser analisadas para pensar a geopolítica próxima da prática.

 

O professor argentino, para quem “o mundo está globalizado pelo capitalismo, por um neoliberalismo em crise profunda”, afirmando a existência de uma disputa interimperialista que quer dominar a globalização, citou algumas dessas crises, como a crise energética , a crise da saúde, consequência da privatização da saúde, a crise ecológica, que deveria nos levar a nos ver como filhos e não donos, como responsáveis diretos por suas vidas.

 

Para ele, a ideia de desenvolvimento é uma ideia suicida, com grande presença de monopólios, inclusive de vacinas. Ele também falou de uma crise de participação democrática, uma crise científica ou uma crise ética, consequência de um sistema hegemônico antiético. Isso o levou a afirmar a necessidade de saber o que está por trás da construção de uma geopolítica libertadora, vendo a ética e a esperança como categorias fundamentais, seguindo o pensamento de Paulo Freire.

 

Projetos futuros com raízes no passado

 

Segundo Pedro Ribeiro de Oliveira, “para fazer unidade é preciso lembrar”. Isso se aplica à realidade brasileira atual, onde se percebe a necessidade de uma ampla frente de esquerda, sempre olhando para frente. Mas é preciso "olhar para trás, para os sofrimentos que nos unem". Em sua opinião, “para que os projetos tenham futuro, é necessário que tenham raízes no passado”. Por isso considera que “um dos problemas atuais é que roubam a nossa memória, os poderosos não querem que saibamos quais são as nossas raízes”.

 

Emilce Cuda lembrou que é o Papa Francisco que fala de memória. Segundo ela, “o conhecimento é uma construção coletiva, não é algo que nos ocorre”. Daí a ideia de uma construção coletiva da identidade, que se especifica no conceito de Grande Pátria. O teólogo refletiu sobre a necessidade de distinguir entre teologia e ideologia, afirmando a necessidade de “desmascarar a ideologia que nos está sendo vendida como teologia da prosperidade, máscara de uma ideologia que mata”.

 

Fazendo uma leitura histórica, Cuda afirmou que antes da modernidade a guerra era fratricida entre famílias ricas, o que se repete hoje entre famílias que concentram o capital mundial, que acabam administrando governos por meio de negócios mafiosos. Isso leva a "uma guerra entre os pobres que ceifa milhares de vidas". Segundo ela, política é paixão em ação, ideia colhida do Papa Francisco. Por isso, defende “a conversão dos movimentos da economia popular em movimentos políticos populares para participar da tomada de decisões sobre os modos de produção, distribuição e reinvestimento da renda”.

 

Fonte: Prensa CELAM

Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte 1

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