Adélia Prado: por uma teologia poética

11 de Marzo de 2021

[Por: José Neivaldo de Souza]




Rubem Alves me apresentou Adélia Prado. Ele a admirava. Passei a gostar dela, da forma como expressa a sua paixão pela vida, sua vontade de amar e seu desejo de eternidade. Confesso: Adélia provoca sede. Há ali uma fonte inesgotável de sabedoria e, na minha percepção, sua poesia é produzida em estado de êxtase, sem perder a noção da realidade. Há beleza nisso! Sua poesia privilegia as emoções, apesar da semântica. Se a razão faz perguntas, é pelo sentimento que nos vem as respostas. Reagindo à sua mãe, para a qual o estudo era a coisa mais fina do mundo, Adélia disse que “A coisa mais fina do mundo é o sentimento”.

 

É pelo sentimento que buscamos respostas sobre Deus, sobre o outro e sobre nós. Este pequeno ensaio tem como objetivo compreender os escritos de Adélia Prado numa perspectiva teopoética. Como expressar, em poesia, o Deus que se revela no mundo, nas pessoas e que, muitas vezes, se deixa ver naquilo que é mais detestável em nós? 

 

Adélia Prado, dizia Rubem Alves, é uma teóloga. Mas, sua teologia não é sistemática, organizada à base de raciocínios lógicos ou doutrinas, ela é sentida, comparada a um “transe poético”. A teologia de Adélia é poética, por isso teopoética, se faz a partir de “uma necessidade cósmica” que nos antecede e nos protege assegurando a permanência de todas as coisas, como bem escreveu: “o transe poético é o experimento de uma realidade anterior a você. Ela te observa e te ama. Isto é sagrado. É de Deus. É seu próprio olhar pondo nas coisas uma claridade inefável. Tentar dizê-la é o labor do poeta”.

 

Quem é Deus? Não há como defini-lo, mas senti-lo. Adélia lembra Feuerbach. Para ela, Deus é a mais profunda subjetividade do ser humano. A pessoa projeta essa “necessidade cósmica” e, convertendo este sentimento em imagem, se coloca como objeto da ação. Esta projeção, para Adélia, não é ilusão e nem enganação. É a certeza da fé que se direciona para o que há de mais misterioso em nós. Deus se deixa sentir em nós e nós, por outro lado, deixamos que ele exista em sua total liberdade. Não é um mero comportamento da psiquê humana, é essência antropológica: desejo infinito de adorar, de ser abraçado e tocar a eternidade. Em “Direitos Humanos” ela expressa esta ideia ao escrever: 

 

“Sei que Deus mora em mim

Como a sua melhor casa. 

Sou sua paisagem,

Sua retorta alquímica

E para a sua alegria

Seus dois olhos.

Mas esta letra é minha”

 

A este Absoluto desejo de eternidade é delegado o poder de criar e destruir; dar e tirar. Nele projetamos o poder da inspiração ou a falta dela: “Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra”. Nele projetamos nossas faltas, nossa carência, nosso medo de abandono: “Estou com saudade de Deus, uma saudade tão funda que me seca”. 

 

Para Adélia, na “necessidade cósmica”, anterior à nossa existência, fundamos o amor, como lemos nas escrituras sagradas. “Tudo é Bíblias”. Mas... como saber o que é o amor? Amar plenamente, na perspectiva de nossa poetiza, é deixar que o outro seja assim como é, autêntico, em sua liberdade de existir. Aos olhos do mundo talvez não haja beleza neste amor, mas é neste amor, “feinho”, que Deus, enquanto necessidade de amar, se revela aos nossos olhos. Em seu escrito “A Bagagem”, Adélia diz que o amor cuida do essencial, ele não é ilusório, é verdadeiro: “o que brilha nos olhos é o que é: eu sou homem você é mulher. Amor feinho não tem ilusão, o que ele tem é esperança: eu quero amor feinho”. Deus não é uma alma do outro mundo que nos causa pavor, ele está entre nós e se funda no amor, pelo amor e para o amor. 

 

Adélia Prado nos inspira. Sua poesia tem como princípio o amor. O amor não é racional, é puro sentimento. Através dele concebemos a gratuidade divina, a amizade entre os homens e o cuidado com a natureza e todo o ser criado. 

 

Referências

 

PRADO, Adélia. Poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 2001. 

___, A Bagagem. Rio de janeiro: Record, 2011.       

 

 

Imagem: https://www.record.com.br/3-poemas-de-adelia-prado-homenageada-do-jabuti-2020/ 

 

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