09 de Agosto de 2020
[Por: Emerson Sbardelotti]
O DIA DO SENHOR EM CASA
EVANGELHO DE MATEUS 14,22-3
22Logo em seguida, Jesus obrigou os discípulos a entrar na barca e ir adiante dele para a outra margem, até que ele despedisse as multidões. 23Depois de despedi-las, Jesus subiu à montanha sozinho para rezar. Quando chegou o fim da tarde, ele estava aí sozinho, 24e a barca já se encontrava bem longe da terra. Era batida pelas ondas, pois o vento era contrário. 25De madrugada, Jesus foi até eles, caminhando sobre o mar. 26Vendo Jesus que caminhava sobre o mar, os discípulos ficaram espantados e disseram: “É um fantasma!”. E gritaram de medo. 27Jesus, porém, logo lhes disse: “Coragem! Sou eu. Não tenham medo!”. 28Então Pedro lhe pediu: “Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro caminhando sobre as águas”. 29Jesus disse: “Venha!”. Descendo da barca, Pedro caminhou sobre as águas e foi ao encontro de Jesus. 30Mas, sentindo o vento forte, ficou com medo. E, começando a afundar, gritou: “Senhor, salva-me!”. 31Imediatamente Jesus estendeu a mão e o segurou. E lhe disse: “Homem fraco na fé! Por que você duvidou?”. 32Assim que eles subiram na barca, o vento se acalmou. 33Os que estavam na barca se ajoelharam diante de Jesus dizendo: “Tu és verdadeiramente Filho de Deus!”.
Começo esta reflexão com o meu coração, minha alma e meus pensamentos voltados para o amigo e irmão, poeta e profeta D. Pedro Casaldáliga que aos 92 anos, convivendo com o irmão Parkinson, em mais uma travessia enfrenta um vento forte, porém, com a oração de todos, de todas, que somos seus herdeiros e herdeiras, por uma Igreja dos Pobres, com os Pobres, ao lado dos Pobres, sentirá a ventania se acalmando, e poderá retornar para o meio do Povo Santo de Deus que está na Prelazia de São Félix do Araguaia-MT. Recentemente, Pedro Casaldáliga colocou seu nome ao lado de outros 151 bispos na corajosa Carta ao Povo de Deus; um compromisso com os mais pobres do Reino; que Pedro experimenta em sua vida, com radicalidade evangélica, como este belíssimo texto que ele pronunciou no dia de sua ordenação episcopal, ao ar livre, à beira do rio Araguaia, na noite do dia 23 de outubro de 1971:
“Tua mitra será um chapéu de palha sertanejo; o sol e o luar; a chuva e o sereno, o olhar dos pobres com quem caminhas, e o olhar glorioso de Cristo, o Senhor. Teu báculo será a verdade do Evangelho e a confiança do teu povo em ti. O teu anel será a fidelidade à Nova Aliança do Deus Libertador e a fidelidade ao povo desta terra. Não terás outro escudo que força da Esperança e a Liberdade dos filhos de Deus; nem usarás outras luvas que o serviço do Amor”.
Esta lembrança afetiva sintoniza-nos com o Evangelho deste Dia do Senhor, em que continuamos no longo isolamento familiar e fraternal, porém, atentos aos sinais, de que muitas vezes, experimentamos profundamente, o barco que é agitado pelas ondas. Os abraços que não podemos dar, as despedidas que precisam ser rápidas, a teimosia de inúmeras pessoas que ainda acham que esta pandemia não passa de uma gripezinha, os bares e as ruas lotadas de pessoas que não estão nem aí para suas próprias vidas; estas ondas, muitas vezes se transformam em terríveis tsunamis.
Deus não quer nem deseja a morte de nenhuma de suas filhas, de nenhum de seus filhos. Ele é um Deus da Vida, da Justiça, da Misericórdia, da Verdade, da Ternura e do Amor. O seu maior milagre: a Vida!
E nossa grande missão é partilhar! A partilha é o grande milagre capaz de saciar a todas, a todos.
É a única vez que Jesus de Nazaré, em todo o Evangelho segundo a comunidade de Mateus, obriga seus discípulos a entrarem na barca e seguir à sua frente para a outra margem do mar, para território pagão. Após a instituição da partilha, como ato de adesão ao projeto de Deus, inaugurando com os pobres uma nova fase da humanidade, a comunidade é convidada a entrar na barca (o símbolo da Igreja).
Terão que ir para a outra margem do mar, em território que não conhecem, com pessoas diferentes das que estavam acostumados, serão obrigados a sair da zona de conforto. A travessia exige, uma mudança interior; porém, o medo causado pelo vento contrário, não permite que os discípulos compreendam o projeto de Deus.
A travessia expõe a fragilidade da barca e de um futuro incerto. Quantas horas difíceis enfrentamos nas travessias que a vida nos coloca? Como nos lembra Pedro Casaldáliga: “o perigo é ter medo do medo”. O medo nos aprisiona no comodismo, nos aprisiona no conforto.
O vento contrário para a comunidade de Mateus são as resistências ao projeto de Deus; hoje, infelizmente, podemos dizer que são as resistências que a Igreja em saída do Papa Francisco tem enfrentado cotidianamente. O mar está revoltoso. E não estamos no mesmo barco, como muitos afirmam. Uns estão em iates caros, outros em navios de luxo, aqueles em lanchas rápidas...e nós, que optamos pelos pobres, vamos em voadeiras, em botes salva-vidas, em canoas, pois fazemos na barca-Igreja o reconhecimento de Jesus de Nazaré, o Filho de Deus Crucificado-Ressuscitado. É uma entrega total no meio dos ventos contrários.
Ter coragem de enfrentar o mar revoltoso é assumir até as últimas consequências a proposta missionária de Jesus de Nazaré: que todos, todas, tenham vida e a tenham em abundância, com respeito, diálogo, encontro, partilha e liberdade.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil afirma: “quem se deixa tocar pelos pobres e excluídos se torna portador da presença de Deus que liberta, integra e oferece vida. Mas para sermos tocados por eles devemos estar no seu meio...É o mistério da encarnação!” (CNBB, 1998, p.115).
Em 04 de dezembro de 2003, eu fiz uma canção, intitulada: Vida de Cantador, ela fala da travessia missionária que precisamos enfrentar todos os dias, um pouco por dia e da esperança e da coragem que nos resgata do mar revoltoso por estarmos no seguimento de Jesus de Nazaré:
Dizem que além do horizonte / o vento sopra sem cessar / e digo que aqui, dentro do coração / a Palavra ecoa sem parar / no silêncio escuto a Deus / e sinto todo o meu ser falar / na harmonia com a Terra / uma paz inquieta a brotar.
E no caminho faço a missão / fazendo e deixando amigos / chorando, abraçando e sorrindo / e por não estar sozinho / vou enfrentando os perigos / e por carregar a minha cruz / vou seguindo Jesus.
Dizem que ser profeta / é não se calar / e lembro de Helder, Paulo e Pedro / do barulho e da mansidão no olhar / e por ser poeta menor / humildemente cantando vou / histórias da cidade e do interior / histórias de vida de um cantador.
Emerson Sbardelotti
Simplex agricola ego sum in regnum vitae.
Arte-Vida de Cerezo Barredo
Cita
1 CNBB. Ele está no meio de nós! – O Semeador do Reino: o Evangelho segundo Mateus. São Paulo: Paulinas, 1998.
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