Reflexões em tempos de quarentena - 21 de junho de 2020

21 de Junio de 2020

[Por: Emerson Sbardelotti]




O DIA DO SENHOR EM CASA

EVANGELHO DE MATEUS 10,26-33

 

26“Portanto, não tenham medo deles. Porque não há nada oculto que não se venha a descobrir, nem escondido que não se venha a revelar. 27O que eu lhes digo às escuras, vocês o digam à luz do dia. O que lhes é dito aos ouvidos, o proclamem sobre os telhados. 28Não tenham medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Temam, sim, aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno. 29Não se vendem dois pardais por alguns centavos? No entanto, nenhum deles cai no chão, sem que o Pai de vocês o permita. 30Até mesmo os cabelos da cabeça de vocês estão todos contados. 31Portanto, não tenham medo! Vocês valem mais que muitos pardais. 32Assim, todo aquele que se declarar por mim diante das pessoas, também eu me declararei por ele diante do meu Pai que está nos céus. 33Aquele, porém, que me renegar diante das pessoas, também eu o renegarei diante do meu Pai que está nos céus”.

 

O Evangelho deste Dia do Senhor está em consonância com o Evangelho do domingo passado, onde os discípulos e discípulas são enviados e enviadas em missão, pois as ovelhas estavam sem pastor. Apesar de todo medo que poderiam sentir, eles e elas não podiam deixar de difundir a Boa Notícia de Jesus de Nazaré a respeito do reino de Deus.

 

No mundo semita, a palavra alma significava a livre vitalidade consciente da pessoa. Portanto, somente Deus poderia destruir integralmente uma pessoa, naquele contexto. Mesmo assim, Jesus de Nazaré apela para que seus discípulos e discípulas superem o medo e alimentem a coragem, para que possam bem testemunhar o que ouviram e viram.

 

Na época de Jesus, como informa Ildo Bohn Gass: O império permitia que cada povo conquistado continuasse a cultuar suas divindades. No entanto, exigia também o culto às divindades imperiais. E o que é mais significativo do ponto de vista ideológico é a exigência do culto ao império e ao imperador. A partir de Augusto César (31 a.C. – 14 d.C.), os imperadores foram divinizados, exigindo culto a eles. Como vimos, o título Augusto é título divino e significa “sagrado”, “sublime”. 

 

Na questão religiosa, porém, os judeus tiveram algumas concessões: 

 

* Os romanos sabiam que era muito difícil mexer na religião monoteísta dos judeus. Seria como que tocar a onça com vara curta. Por isso, permitiram o Judaísmo como religião lícita, legal. 

* A fim de evitar rebeliões, liberaram o povo judeu do culto ao imperador e às demais divindades romanas. Contudo, exigiram um sacrifício a YHWH em honra ao imperador todos os dias no templo. 

* Permitiram que os judeus tivessem seu próprio tribunal, o sinédrio, para julgar questões que lhes diziam respeito. Mas o chefe desse tribunal era indicado por Roma. Nas cidades do interior e nas aldeias, também podiam formar conselhos de anciãos para resolver questões locais (GASS, 2011, p. 115-116).

 

Com o passar dos anos a comunidade estava sendo mais difamada e perseguida, por acreditarem e professarem o Deus de Jesus de Nazaré. E muitas pessoas, com medo de perderem suas vidas, pois podiam ser denunciadas pelos próprios judeus ou por outras pessoas dependendo da cidade onde estivessem, para fugirem da morte, começaram a renegar a fé e a declarar o imperador como divino.

 

Será que hoje em dia, nas nossas comunidades, paróquias, dioceses há pessoas com medo de anunciarem que Jesus de Nazaré é o libertador e que suas palavras vindas de Deus Pai/Mãe, são recheadas de justiça, verdade, misericórdia e compaixão?

 

O discípulo e a discípula não devem temer a morte por causa do testemunho que anunciam. A profecia não deve cair. A compaixão do Pai, a confiança no Pai é o que faz o discípulo e a discípula encarar os desafios que são propostos.

 

São Oscar Romero dizia que “O martírio é uma graça que não creio merecer.  Mas se Deus aceita o sacrifício de minha vida, que meu sangue seja a semente da liberdade e o sinal de que a esperança será logo uma realidade.  Minha morte, se for aceita por Deus, que o seja pela libertação de meu povo e como um testemunho de esperança no futuro”.

 

Tive a oportunidade e a honra de viver e conviver ao lado do ser humano, poeta, e do profeta: Pedro Casaldáliga, em 2002/2003, em sua casa, por dois meses; tivemos tempo para conversar sobre muitas coisas. Tenho muitas saudades de nossas conversas sempre recheadas de humor, lágrimas e abraços... que saudades deste amigo querido. Nunca me esquecerei quando ele me disse algo que tem muita relação com o Evangelho de hoje e que me marcou profundamente: “Às vezes tenho a sensação de que estou vivendo de gorjeta, porque escapei da morte muitas vezes e, talvez, porque João Bosco tenha morrido em meu lugar. Diante destas situações, diante das ameaças de morte, estou tranquilo, porque, afinal de contas, estou rodeado de muita gente que também está ameaçada. Dizem nossos teólogos da Libertação que o contrário da fé não é a dúvida, mas o medo. O perigo é ter medo do medo.

 

Estas palavras nunca saíram da minha cabeça e do meu coração, e sempre que me vejo numa situação conflituosa e difícil me recordo destas palavras do Pedro e me decido sempre pelo Evangelho. Não é fácil, não é confortável, mas é o correto a ser feito. Hoje, agora, o anúncio do Evangelho deve englobar a luta dos Povos da Floresta, a luta das mulheres, a luta dos moradores de rua, a luta contra o racismo. Por estas causas tenho força e coragem para ir até as últimas consequências.

 

José Antonio Pagola diz que quando nosso coração não está habitado por um amor forte ou uma fé firme, facilmente nossa vida fica à mercê de nossos medos. Muitas vezes vivemos preocupados apenas em causar boa impressão. Ficamos com medo de nos tornar ridículos, de confessar nossas verdadeiras convicções, de dar testemunho de nossa fé. Tememos as críticas, os comentários e a rejeição dos outros. Não queremos ser classificados. Outras vezes nos invade um medo do futuro. Não vemos claro nosso porvir. Não temos segurança em nada. Talvez não confiemos em ninguém. Causa-nos medo enfrentar o amanhã. Sempre foi tentador para os crentes buscar na religião um refúgio seguro que nos liberte de nossos medos, incertezas e temores. Mas seria um erro ver na fé a muleta fácil dos pusilânimes, dos covardes e assustadiços. A fé confiante em Deus, quando bem entendida, não leva o crente a evitar sua própria responsabilidade diante dos problemas. Não o leva a fugir dos conflitos para fechar-se comodamente no isolamento. Pelo contrário, é a fé em Deus que enche seu coração de força para viver com mais generosidade e de maneira mais arriscada. É a confiança viva no Pai que o ajuda a superar covardias e medos para defender com mais audácia e liberdade o reino de Deus e sua justiça. A fé não cria homens covardes, mas pessoas decididas resolutas e audazes (PAGOLA, 2019, p. 83).

 

Neste Dia do Senhor, mais um domingo de isolamento social, somos convidados a declarar Jesus de Nazaré como o Libertador. E isso não deve ser feito com imposição. É uma mensagem de amor, que deve abraçar todo o nosso ser. Através da poesia, a mensagem de Jesus de Nazaré entra com mais suavidade em nossos corações. Através da música, tal mensagem, nos faz cantar, dançar e embalar nossos sonhos e utopias. É preciso sapiência. E como bem canta o Lenine: é preciso ter um pouco mais de paciência.

 

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma / Até quando o corpo pede um pouco mais de alma / A vida não para.

 

Enquanto o tempo acelera e pede pressa / Eu me recuso faço hora vou na valsa / A vida tão rara.

 

Enquanto todo mundo espera a cura do mal / E a loucura finge que isso tudo é normal / Eu finjo ter paciência.

 

O mundo vai girando cada vez mais veloz / A gente espera do mundo e o mundo espera de nós / Um pouco mais de paciência.

 

Será que é tempo que lhe falta pra perceber / Será que temos esse tempo pra perder / E quem quer saber / A vida é tão rara (tão rara).

 

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma / Mesmo quando o corpo pede um pouco mais de alma / Eu sei, a vida não para / A vida não para não…

 

Emerson Sbardelotti 

Simplex agricola ego sum in regnum vitae.

 

 Arte-Vida de Luís Henrique Alves Pinto

 

Citas

 

1 GASS, Ildo Bohn. Período Grego e Vida de Jesus – uma introdução à Bíblia vol. 6. 2.ed. São Leopoldo: CEBI; São Paulo: Paulus, 2011.

 

2 PAGOLA, José Antonio. A Boa Notícia de Jesus. Petrópolis: Editora Vozes, 2019.

 

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