Felizes os humildes de coração

07 de Mayo de 2020

[Por: José Neivaldo de Souza]




Os escritos sagrados são luzes que nos ajudam a enxergar esta realidade, não raras vezes insuportável, e a encontrar caminhos de realização. Interpretá-los na perspectiva da humildade é uma das formas de tornar a vida mais humana e menos divina. Estranho né? É isso, o problema da religião está na pretensão de destituir o humano do ser e doutriná-lo a uma perfeição ilusória, muitas vezes conformada ao pensamento de seus líderes que, sem saber, adoram Procusto e não o Deus misericordioso de Jesus. Procusto, na mitologia grega, era um soberbo que vivia na floresta. Todos que por ali passavam, ele os raptava e os colocava em seu leito. Os que eram maiores que a cama, ele lhes cortava os pés; os que eram menores, ele os esticava. Assim são os que procuram doutrinar ou divinizar as pessoas conforme a imagem que projeta de seu deus.  

 

Quem ambiciona um mundo divino não aceita outra verdade e menospreza o que há de mais humano: a humildade. As palavras “humano” e “humildade” têm a mesma raíz latina: humus quer dizer terra. Deus criou o ser humano para cuidar da terra, porque do céu el cuida. O espirito dos sábios do Primeiro Testamento, de Jesus Cristo e dos primeiros mártires da Igreja continua, apesar do “leito de Procusto”, iluminando os caminhos da realização humana.

 

A humildade serviu aos sábios, profetas e ao povo de Israel na luta contra a prepotência e na conquista da libertação. O autor de Provérbios entendia que, aos olhos de Deus, não há sabedoria na soberba: “na soberba está a violência, na humildade a sabedoria” (Pr 11,12). Os soberbos são vaidosos e egoístas, exibem um conhecimento que não possuem. Miqueias ensinou que só na humildade se pode praticar o amor e a justiça (Mq 6,8). 

 

A humildade é um valor, os evangelistas e os primeiros mártires apontam para isso: “Felizes os humildes de coração, porque deles é o Reino dos céus!” (Mt 5,3). Aos discípulos, disse Jesus: “Se quiser ser o primeiro, que seja o último, aquele que serve” (Mc 9,35), eis a exigência do caminho. Jesus resgata a face de um Deus que os poderosos deturpam e interpretam conforme a própria imagem: “Tomai o meu jugo e aprendei de mim a mansidão e a humildade de coração. Assim encontrareis descanso para as vossas almas” (Mt 11,29). 

 

Paulo convida os Filipenses à renúncia da violência e da soberba. Para ele, é preciso considerar que não há pessoas indignas, todas têm o seu valor (Fl 2,3). Na carta aos romanos, escreve: “sede unânimes entre vós; não ambicioneis coisas altas, mas acomodai-vos às humildes” (Rm 12,16a). Pedro exorta para a prática da humildade: amando e servindo uns aos outros (1Pe 3,8) e, para Tiago, não há outro meio para demonstrar sabedoria senão pelas obras da humildade (Tg 3,13).  

 

Tenho dificuldade com aqueles que se dizem arautos da verdade e passam a ideia de sabedores absolutos do mistério divino. São os verdadeiros Procustos. Deus se manifesta na história humana e levanta testemunhos para o seu Reino, mas, seus anunciadores não são arrogantes e nem ávidos por poder e dinheiro. Concordo com Rubem Alves: “Não vejo a minha córnea. Vejo através dela. Quem vê a própria córnea é cego. Deus é como a córnea: uma transparência invisível que nos permite ver. Quem diz que vê Deus é cego de Deus”.

 

 

Imagem: https://www.redpal.es/la-humildad-en-tiempos-de-incertidumbre/ 

 

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