Do pânico neurótico à negação perversa

03 de Abril de 2020

[Por: José Neivaldo de Souza]




Angustia o bombardeio de notícias sobre a pandemia do Covid-19, como se não bastasse o estresse de ter que lidar com as contradições e irresponsabilidade de um chefe de Estado que se coloca como “dono” do Brasil. No momento a população clama por orientação a fim de conter a proliferação do Coronavírus, ele vai à contramão do que orienta a Organização Mundial da Saúde: condena o isolamento social e não se importa com o possível congestionamento do sistema de saúde. Esta situação me faz retornar, numa perspectiva psicanalítica, o que escrevi há duas semanas atrás acerca do medo e da negação.  

 

É perceptível a reação de muitas pessoas diante dos noticiários que nos atentam para a possibilidade de uma infecção global. Apesar das orientações do Ministério da Saúde para a prática do cuidado e da precaução, o presidente não só ironiza e minimiza a situação, mas age como se ela não existisse. Com isso, o chefe do Planalto motiva e incentiva uma boa parte da sociedade a seguir o seu exemplo negando a força proliferadora do vírus. São comportamentos que nos leva a pensar acerca do medo neurótico e da negação perversa. 

 

O medo, para o neurótico é imaginário e apavora. O neurótico deseja matar o próprio medo e agir conforme seus instintos mais selvagens, mas ele não tem coragem. Diante da própria fragilidade, deposita sua confiança, se projetando numa liderança capaz salvá-lo da ameaça que esta realidade lhe traz. A carência do neurótico é um prato cheio para o perverso que vive pela autoafirmação. O perverso realiza o desejo do neurótico, por isso é exaltado como um Super homem. Ele não tem medo! Desafia o perigo negando-o e se exalta colocando-se acima do bem e do mal.

 

Ele não tem fé, a não ser em si mesmo. Consciente de sua farsa, vive na mentira e se orgulha de ser “arauto” da verdade. A religião funciona, para ele, como instrumento de dominação, já que é um ajuntamento de pessoas cuja maioria vive pelo medo do julgamento divino e do desejo de um messias que indique o caminho da salvação. Freud, o pai da psicanálise havia definido o comportamento religioso como uma neurose universal sujeita à manipulação por uma liderança perversa que se propõe a defender o indefensável.  

 

Ao neurótico medroso, o perverso negacionista; ao que implora compaixão, um avaro que, diante da roleta: a vida ou o dinheiro, ele aposta na segunda. Rubem Alves expressa bem isso: “Quem é movido pela avareza não tem olhos nem coração para sentir o sofrimento dos outros, porque esses lhe são apenas um valor econômico. A avareza tira a capacidade de compaixão. E, com isso, nossa condição de seres humanos”. 

 

Minha percepção do comportamento da maioria da população, e mesmo atitudes de pessoas religiosas, após o pronunciamento do hóspede do Planalto, me motivou a fazer esta análise. Houve um salto do medo à negação e a prova disso é a data marcada para uma grande manifestação contra o isolamento social por parte da extrema-direita. O Brasil carece de um presidente equilibrado, capaz de orientar para o cuidado, para a proteção aos mais vulneráveis; que incentive as pesquisas científicas e que seja a favor da vida.

 

Imagem: https://catalunyaplural.cat/es/tiempo-de-coronavirus-que-es-el-miedo-y-como-evitarlo/ 

 

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