Um vírus para viver

27 de Marzo de 2020

[Por: José Neivaldo de Souza]




Envolvidos por um sistema imediatista, construído em cima de sacrificios, agimos sem fôlego, como máquinas obrigadas a produzir e reproduzir em função do desenfreado consumo. Um sistema que não nos permite gozar do tempo e tampouco nos deixa pensar e questionar seus discursos de heróis e robôs. Enredados nesta engrenagem, nos falta tempo para conhecer nossa verdadeira essência e compreendê-la melhor. Lembrando o filósofo Blaise Pascal: “estamos sempre dispostos a negar o que não compreendemos”.  

 

De repente, um vírus, um desconhecido, nos damos conta que “é preciso cuidar da vida”. Esta situação vem nos ensinar muitas coisas e, entre elas, a certeza da impotência. Somos todos vulneráveis! Ameaçados por um ser invisível, nos vemos obrigados a parar e, no ócio do confinamento e da distância, começamos a considerar o outro; face à ameaça real da morte, não há diferença de classe social, raça ou gênero. Há sim os que teimam manter o sistema. Para eles, é preciso salvar a economia, apesar das contaminações e infecções. Estamos no mesmo barco, mas neste naufrágio, contemplamos salvar as pessoas, não o mar. 

 

De repente, descobrimos que o nosso “gostar” não se encaixa aos ganhos, salários, lucros, posses e às pessoas que, de acordo com os próprios interesses, podem nos proporcionar algo. Aprendemos a não perder tempo fazendo coisas que não gostamos por pagamentos que nunca nos satisfazem. O trabalho é o dom de criar e não instrumento de opressão em favor do acumulo. José Saramago alertava que “ter é a pior maneira de gostar”. 

 

De repente, reaprendemos a “gostar”, não como obrigação, mas por liberdade. O conselho de Rubem Alves nos motiva: “Aprenda a gostar, mas gostar mesmo, das coisas que deve fazer e das pessoas que o cercam. Em pouco tempo descobrirá que a vida é muito boa e que você é uma pessoa querida por todos”.    

 

Forçados a "parar", descortinamos o tempo e, em nossas casas, erigimos um templo. Templo de trabalho, porque enquanto vivemos é preciso criar e recriar, pois “a vida só é possível reinventada”, dizia Cecilia Meireles. Templo de meditação e oração, porque descobrimos que igreja cheia não é sinal de solidariedade e compaixão. Templo de jejum, porque aprendemos que não é no mercado que encontramos o alimento que verdadeiramente satisfaz a alma. Fazemos da cozinha o lugar da comunhão; do quarto, o lugar da doação; da sala, sob o som da música e de uma taça de vinho, o lugar do perdão e da festa. 

 

 

Aprendemos que ser vulnerável nos faz mais humanos, menos deuses, e isso nos liberta. Concordo com o escritor Fernando Sabino: é preciso fazer da interrupção um novo caminho, a tratar a queda como um passo de dança e a lidar com o medo como se subisse uma escada. 

 

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