O poder da cegueira

12 de Marzo de 2020

[Por: José Neivaldo de Souza]




Há poder nas mãos dos que enganam, mas há também o poder dos que se deixam enganar. Os que enganam sabem, raras exceções, que estão impondo uma farsa e querem que todos acreditem; os que se deixam enganar justificam sua ignorância ao acreditar cegamente nos primeiros. A diferença é visível e merece uma reflexão.  Vivemos numa época, a pós-verdade, em que é preciso cultivar a capacidade de ver. A visão se tornou artigo de qualidade e se diferencia da cegueira quando se trata de enxergar a verdade e lutar por ela. 

 

Qual verdade? A que liberta! O ensaísta inglês, George Orwell, autor de “A Revolução dos Bichos”, observou que numa época em que as enganações se tornaram comuns, optar pela verdade é um ato de coragem. Segundo ele, “toda propaganda de guerra, toda gritaria, mentiras e ódio, vêm de pessoas que não estão na luta”. Cultivar a visão e ampliá-la é uma arte.

 

Rubem Alves dizia:

 

“Há muitas pessoas de visão perfeita que nada veem”. 

 

A que se referia? Segundo ele, o ato de ver precisa ser aprendido. Jesus, referindo-se à condução religiosa e política, se opôs ao sistema cruel das autoridades da época que lucrava com a alienação do povo. Cegueira é metáfora usada para a alienação: “porventura pode um cego guiar outro cego? Não cairão ambos no barranco?” (Lc 6,39). Santo Agostinho interpretava esta passagem observando os cegos se vangloriando da própria cegueira. Estes são um prato cheio para os idiotas que distorcem a verdade e se colocam acima do bem e do mal. 

 

Em Rei Lear, Shakespeare escreveu:

 

“Infeliz a época em que os cegos se deixam guiar pelos idiotas”. 

 

Havia um guerreiro, temido por sua crueldade, onde passava deixava marcas de destruição e pavor. Um dia o seu exército invadiu uma aldeia, deixando-a totalmente devastada. No meio das cinzas foi encontrado um velho que se recusara a fugir e ao qual foi permitido expressar o seu último desejo. Ele seria decapitado. O pedido do ancião deixou louco o violento comandante, pois o guerreiro devia cortar um galho de árvore e depois reintegrá-lo à mesma árvore. Vendo que não podia satisfazer tal desejo, disse o general: “seu velho idiota, não sabe que isso é impossível?” O distinto macróbio respondeu: “idiota é quem crê que o poder de destruir, matar as pessoas é mais sublime do que a capacidade de unir e devolver a vida”.

 

Pensando na realidade brasileira, acrescento mais um grupo: há os que enganam, os que se deixam enganar e os que resistem à enganação e teimam em ver a verdade e viver por ela. Há cegos guiando cegos e há os que lutam contra a cegueira mental e espiritual. José Saramago em seu “Ensaio sobre a cegueira” observara que a cegueira não diz respeito à condição física, mas mental, pois impede de ver a realidade à nossa frente. 

 

imagem: https://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/colunas/o-pior-cego-e-o-cego-ideologico/   

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