Dor elegante

19 de Diciembre de 2019

[Por: José Neivaldo de Souza]




“Horário de Trabalho”. Sob este título, Cecilia Meireles escreveu uma bela poesia em que aborda sua relação com o sofrimento e a dor de existir. O espírito desta escritora talvez esteja na mesma vibração do autor de Eclesiastes que, soprando ao povo de Israel, dizia: “há um tempo para tudo: tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de dançar; tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las; tempo de abraçar e tempo de se afastar”. 

 

Cecilia escreveu: “Depois das treze poderei sofrer: antes, não. Tenho os papeis, tenho os telefonemas, tenho as obrigações, à hora-certa”. Há aqui um consenso: o tempo deve ser dividido e o trabalho organizado em encontros: encontro com os afazeres externos, para a sobrevivência do corpo e encontro na solidão do descanso, para distração de uma alma que não se contenta em existir somente. Encontro com o outro e consigo mesma. 

 

“Então, depois das treze, todos os deveres cumpridos, disporei o material da dor com a ordem necessária”. O tempo de Cecilia transcorre entre o trabalho de fora e o compromisso de dentro. Depois das treze, num tempo dedicado e delicado, ela encontra e ordena os próprios tormentos, chamando-os pelo nome, como bem sugere: “para prestar atenção a cada elemento: acomodarei no coração meus antigos punhais, distribuirei minhas cotas de lágrimas. Terminado esse compromisso, voltarei ao trabalho habitual”. Clarice Lispector diria que é na dor do encontro consigo mesma que a pessoa amadurece. 

 

Os poetas são terapeutas! Rubem Alves dizia: “É isto que amamos nos outros: o lugar vazio que eles abrem para que ali cresçam as nossas fantasias”. Cecilia nos provoca e nos faz perguntar: como lidar com a dor física ou moral? Há momentos que, por medo de sofrer, preferimos a fuga. Mergulhados numa realidade superficial e sem sentido, não nos enfrentamos; buscando refúgio no trabalho, e nas pequenas alegrias, não nos suportamos. O filósofo Michel Montaigne explicava que “o medo de sofrer nos faz sofrer por medo”. De fato, precisamos ouvir nossas dores e acolher o próprio sofrimento, não como um perseguidor à espreita, mas como companheiro de batalha, como bem recita o nosso poeta Paulo Leminski: 

 

“Um homem com uma dor

É muito mais elegante

Caminha assim de lado

Como se chegando atrasado

Andasse mais adiante

Carrega o peso da dor

Como se portasse medalhas...”.

 

 

Imagem: https://www.bitacoraenfermera.org/no-tengo-miedo-morir-tengo-miedo-sufrir/ 

 

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