A Religião do outro

06 de Diciembre de 2019

[Por: José Neivaldo de Souza]




O assunto é complexo e nos faz pensar na impossibilidade de tratar a religião, na América Latina, a partir da visão eurocêntrica e ocidental que herdamos. Neste intento, a pergunta que fazemos acerca das religiões ameríndias ou afro-americanas precisa partir do entendimento dos perseguidos, dos colonizados e não do dominador.  

 

É preciso buscar numa antropologia crítica, com viés pós-colonial, uma chave de leitura libertadora que questione o conceito de religião, até hoje cultivado na cultura ocidental. Os antropólogos Fiona Bowie e Talal Asad repensam o conceito, colocando-o sob suspeita. Para eles, falar de religião numa perspectiva ocidental e eurocêntrica é reproduzir a linguagem do colonizador e exigir que o dominado se “enquadre” nesta linguagem. Portanto, falar de religião, numa perspectiva do nativo ou do afro-diaspórico, é um desafio que se coloca ao pensamento cultural e pluralista Latino-americano.  

 

O contato com estes autores nos ajuda a suspeitar de uma religião construída a partir de um pensamento essencialista, isto é, uma filosofia cujo entendimento da verdade é absoluta, universal e exclusiva. Este tipo de saber religioso, atrelado ao Poder, se impõe a partir de fatos dedutíveis e a-históricos. A ele “foi dado” o Poder para converter os povos ao único Deus, dono da terra e conhecedor da alma da humana. Quem “deu” o Poder? A complexidade da religião está no monopólio da verdade e no confronto com a religião do outro. 

 

Não nos basta considerar que os Astecas, os maias, os zincas, os Tupi-guaranis, os adeptos dos orixás, fazem parte de “outra” religião, precisamos adotar uma reflexão crítica, pós-colonial, que nos ajude a ver, julgar e agir nas Frentes de Libertação junto aos índios e negros latino-americanos; uma Antropologia cujo princípio metodológico é o “esforço” para compreender a diversidade cultural e a boa vontade de dialogar com o diferente que, a um só tempo, é semelhante em dignidade. Destituído da maneira tradicional e conservadora de pensar e, se colocando no “lugar” do colonizado, urge repensar outro universo simbólico, outro mundo possível. É preciso deixar o nativo se expressar e comunicar seus mitos, ritos, sua cultura ou a sua maneira de enfrentar o mundo e sua postura diante da vida e da morte.  

 

Para Fiona Bowie a religião é um instrumento de Poder para “enquadrar” o outro a um significado universal preestabelecido pelo “Eu”. Nesta compreensão, só podemos afirmar a existência de religiões africanas, se entendermos que a definição de religião comporta também uma dimensão histórica, particular, relativa e local. Se a religião, no sentido ocidental do termo latino é religare ou “ligar de novo” e isso dá a entender que o ser humano, desligado do paraíso pelo pecado, deve ser ligado novamente à Deus, na cultura dos povos originários não existe a ideia, pois tudo está integrado: Deus, os espíritos, as pessoas e a natureza.   

 

Por que devemos nos interessar por este tema? Hoje, com as descobertas da Antropologia pós-colonial e com as reflexões da Teologia da libertação, não nos cabe mais a intolerância, a apatia ou a indiferença religiosa. Através da religião, o Poder decreta guerras, libera armas, justifica a violência e instaura a barbárie. Estamos presenciando o retorno dos autoritarismos e, a maioria deles, nos chega através do fundamentalismo religioso e do literalismo das Escrituras. Os casos mais recentes estão no Brasil, no Chile e na Bolívia e a tendência é se expandir por toda a América. Este tipo de religião, segundo o sociólogo francês Louis Althusser é um “aparelho” que comporta e exporta a ideologia do Estado ou do Poder vigente. René Girard, também pensador francês, observara que através da religião se exerce a “violência simbólica” necessária para justificar a “violência física”. 

 

É preciso uma nova postura, mais crítica, sem pré-juízo aos costumes religiosos do “subalterno” e que seja destituída de preconceito. O modo de viver de cada grupo social diz respeito à sua maneira, diferente de “ler” e “interpretar” o mundo e de se posicionar nele e diante dele.

 

Para concluir, é preciso repensar o conceito de religião, a partir da América Latina, pois tal conceito, carregado de ideologias voltadas ao Poder dos colonizadores espanhóis e portugueses, está carregado de exclusão ou “enquadramento” à cultura colonizadora. A crítica à linguagem religiosa, a partir de uma postura pós-colonial, favorece aos povos “originários” e aos imigrantes que tanto necessitam de compreensão, respeito e cuidado. Rubem Alves afirmava que “a religião é uma linguagem... Um jeito de falar sobre o mundo... Em tudo, a presença da esperança e do sentido...”. Que haja respeito à esperança e ao sentido que o “outro” dá à sua própria vida. 

Imagen: http://www.telemadrid.es/noticias/sociedad/candomble-religion-sexo-superior-0-2087491245--20190120062142.html  

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