25 de Octubre de 2019
[Por: José Neivaldo de Souza]
É emocionante ouvir as notícias sobre o Sínodo da Amazônia. Há uma igreja que, frente às dificuldades e perseguições de um sistema desigual e injusto, se coloca em defesa da vida e, principalmente, dos mais ameaçados do planeta. Quais são as ameaças? Em que o Sínodo pode ajudar?
A maior ameaça é ideológica. O que é ideologia? Provavelmente alguém vai dizer: “vem de ideia!”. É isso! “algo carregado de ideias e doutrinas”. Ela serve à economia, à política, à religião e à cultura em geral. Está por toda parte, porém é interessante recorrer a Karl Marx quando se trata de analisar o lado perverso da ideologia cujo objetivo é alienar a consciência humana; fazer com que a pessoa não veja a realidade e a mascare em favor de “certezas” as quais se aferra. Com os olhos vendados, a pessoa não enxerga um mundo de diálogo e possibilidades.
Hoje, as maiores ameaças vêm de uma ideologia chamada neoliberalismo. Ela se impõe e se sustenta sobre algumas doutrinas e três delas chamam atenção: o capitalismo, o conservadorismo e o nacionalismo. A primeira tem o seu deus: a riqueza. Adam Smith havia dito que a riqueza das nações depende da produção e empenho individuais. À consciência do indivíduo o dinheiro, um bem a ser trocado e acumulado. Esta ideia tornou-se uma verdade. A segunda, o conservadorismo, procura manter os valores tradicionais de uma sociedade: família e propriedade. Usa a economia, a política, a religião e as instituições para frear qualquer “revolução” ameaçadora da “ordem”. Por fim, o nacionalismo, uma ideologia que considera a nação fundamental no sentimento de pertença. Ela tem suas contradições no sistema neoliberal: a exigência do mercado globalizado não permite que, em nome da “soberania nacional”, se expulse o estrangeiro, evite o diálogo com países vizinhos ou explore, para enriquecimento próprio, os bens naturais considerados patrimônios úteis à humanidade.
É neste contexto, carregado de ideologias, que o evangelho de Jesus Cristo e a Igreja são ameaçados. Os ecos capitalistas, conservadores e nacionalistas estão ai, perseguindo e acuando aqueles que optam preferencialmente pelos mais vulneráveis; que falam de outro reino e não dependem de riquezas e lucros; que buscam uma igreja atualizada e compreendem o diferente e o respeita como irmão.
O Papa Francisco tem alertado sobre o perigo das ideologias. “É uma arma perigosa” nas mãos dos políticos, dos religiosos e dos líderes de massa. Reagindo às ideologias e lembrando que a Igreja, no passado, menosprezou povos e culturas, pede para não “domesticar” os índios e nem “destruir” a sua cultura. Lamentavelmente alguns católicos “conservam” o menosprezo e o preconceito. Num ato de vandalismo, roubaram e jogaram no rio Tibre, em Roma, imagens de índias, esculpidas em madeira. Eram réplicas da original utilizada na celebração do Sínodo da Amazônia. O que para a celebração era o símbolo da “sacralidade da vida”, para os ladrões “conservadores” eram simplesmente “ícones pagãos” invadindo a igreja.
Em 1965, ao término do Concilio Vaticano II, um grupo de conciliares celebraram nas catacumbas de Domitila, em Roma, a memória dos primeiros mártires cristãos. Ali assinaram o compromisso de fidelidade à verdade do evangelho e aos mais pobres e o chamaram de “Pacto das catacumbas”. Hoje, outro grupo, de participantes do Sínodo, volta ao mesmo local para renovar o “Pacto” e reafirmar o compromisso de 54 anos atrás: ser fiel a Jesus Cristo e aos mais vulneráveis de “nossa casa comum”. Presidida pelo Cardeal Cláudio Hummes, a celebração contou com leigos, indígenas, missionários e outras confissões religiosas.
Também hoje, observa Dom Hummes, a Igreja sofre perseguição por parte daqueles que desejam “acumular riquezas e dinheiro às custas da natureza e de qualquer coisa”. Dom Erwin Kräutler complementa: “a maior pobreza que se pode ter é quando alguém tira a identidade desses povos, esperando que deixem de ser indígenas, para que os poderosos consigam tirar suas riquezas naturais que estão em suas terras. Andemos juntos neste pacto na luta pela natureza, pela preservação da Amazônia. É uma luta comum que ultrapassa todas as barreiras”.
Apesar das dificuldades, a Igreja quer se renovar no espírito dos primeiros cristãos. Eles foram perseguidos por muitas razões, entre elas: questionar a ambição pelo poder e a riqueza; ameaçar as ideologias políticas e religiosas da época; adorar outro Reino e não Roma. Voltando às perguntas iniciais, talvez possamos responder: são muitas as ameaças. A lista dos mártires tende a aumentar, mas, como bem observou o cardeal Hummes: O Sínodo não só nos ajuda a discutir, debater e chegar à uma comunhão final, mas a rezar pedindo a Deus que a luz do Espírito Santo nos ilumine a fim de escutarmos o grito da terra e dos povos da Amazônia.
Foto: Guilherme Cavalli.
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