18 de Octubre de 2019
[Por: Antonio José de Almeida]
1. Estão em jogo questões muito sérias. A proclamação da Palavra em todas as suas modalidades é essencial para o surgimento, o desenvolvimento e a missão da Igreja. Isso está presente na Igreja da Amazônia, graças ao testemunho e à circulação da Palavra nas comunidades, mas há ainda um longo caminho a percorrer; a Celebração da Palavra, por exemplo, não está presente em todas as comunidades e, quando se faz, são muitas as limitações. Mesmo que fosse perfeita do ponto de vista bíblico e litúrgico, a Celebração da Palavra não é suficiente. O fato de dezenas e dezenas de milhares de comunidades não poderem celebrar a Eucaristia todos os domingos – muitas só o fazem a cada seis meses ou um, dois e até três anos - é um fato pastoralmente anômalo, eclesiologicamente absurdo e eclesialmente escandaloso. Que milhares de comunidades não estejam dotadas de ministros próprios ordenados sacramentalmente presbíteros para, estando à sua frente como pastores, servi-las através da Palavra, dos Sacramentos e da Caridade pastoral, radicando-as na tradição apostólica, desvela um “gap” institucional que precisa ser enfrentado com plena consciência e responsabilidade pela Igreja. O Sínodo especial para a Amazônia, neste sentido, é um kairós a ser acolhido com ação de graças e traduzido em decisões sábias diante de Deus e da história.
2. Não só o Papa Francisco, mas dezenas de milhares de comunidades esperam uma resposta lúcida, corajosa e bem fundada para poderem celebrar com ministros próprios a eucaristia, “sinal da unidade” da comunidade local e da comunhão universal. Estas comunidades não querem nenhum privilégio. Querem simplesmente resgatar, com as devidas atualizações institucionais e pastorais, a prática da Igreja primitiva e antiga, onde não havia Igreja sem Eucaristia e não havia Eucaristia sem bispo (ou presbítero). Não se pode achar normal que na maior parte dos domingos não haja eucaristia nas comunidades! Não se sustenta a tese de que a Celebração da Palavra supre a falta da celebração da Eucaristia! É inegável que a Amazônia precisa de profetas, mas também de presbíteros próprios, autóctones, fiéis ao evangelho e respeitosos das culturas locais, não acima da comunidade, mas dentro dela e a seu serviço, numa Igreja toda ministerial!
3. Que o Sínodo não se permita, no discernimento que será chamado a fazer desta situação, antepor o “direito de legislação” (prescrições relativas ao estado de vida dos padres e outras de instituição eclesiástica) ao “direito da graça” (no caso, o acesso à celebração da eucaristia, de instituição divina). Como ajustar estes dois legítimos direitos, quando o direito de legislação prejudica ou chego mesmo a impedir o direito da graça, senão relativizando o primeiro? O “direito da graça” ou “direito sacramental” deve prevalecer sobre o “direito de legislação” tanto em relação ao celibato como em relação as questões não menos importantes, mas menos eivadas de carga ideológica e emocional, como o tipo de formação, o exercício de profissão civil, o estilo de vida mais laical que sacral, etc.
4. A resposta que se der, a partir dos resultados do Sínodo para a Amazônia, para estas questões – que, no fundo, é o desafio de sair do modelo único de presbíteros (ROUET, 2015), adaptando-os às particularidades e necessidades das comunidades locais - terá certamente um impacto, que esperamos seja alvissareiro, para situações semelhantes em outras áreas da Igreja, tanto no Sul como no Norte do planeta. Pesa sobre o Sínodo para a Amazônia uma grande responsabilidade, pois se depositam nele grandes esperanças. Lobinger se perguntava por onde começar ou por onde começaria esta mudança, se no Norte, se no Sul global. Pensava – e fazia dez considerações a propósito! – que as Igrejas do Norte deveriam dar o primeiro passo. Esperar para ver!
5. A introdução do ministério presbiteral em comunidades hoje desprovidas deste ministério e, consequentemente, também da celebração da Eucaristia, não elimina, antes valoriza, a rica, variada e multiforme ministerialidade local e laical. Também não desvaloriza nem dispensa os presbíteros – quer diocesanos quer religiosos – que, por sua formação e experiência, por sua entrega radical, inclusive em virtude do carisma do celibato, poderão (e deverão!) acompanhar e contribuir para a formação integral e permanente dos “presbíteros comunitários”, para o desenvolvimento das comunidades, além de assumir responsabilidades pastorais em nível diocesano e/ou em situações mais complexas e desafiadoras.
6. Lobinger insiste em que cada comunidade deve ser dotada de uma equipe de ministros ordenados, numa re-invenção do instituto colegial dos presbíteros responsáveis pelas sinagogas judaicas, pelos grupos de presbíteros instalados por Paulo nas comunidades de extração judaica evangelizadas por ele e seus colaboradores, e pelo presbitério testemunhado por Inácio de Antioquia. A intenção é exprimir o caráter colegial do ministério ordenado, exorcizar o clericalismo, prevenir o autoritarismo, coibir a centralização, garantir um rodízio na presidência das celebrações, etc. Em um próximo trabalho, penso retomar esta ideia, alargando-a no sentido de uma equipe de animação da comunidade formada pelo ou pelos presbíteros da comunidade local, pelo ou pelos respectivos diáconos e diáconas (NOCETI, 2019) – que, com certeza moral, serão reintroduzidas entre os ministérios ordenados!) e por alguns leigos e leigas representativos da comunidade, eleitos por ela.
7. A eventual implementação desta proposta de “presbíteros de comunidade” ou “equipes de ministros ordenados” deve obedecer a uma séria pedagogia, criteriologia e metodologia. Supõe, evidentemente, Igrejas locais e comunidades convictas da necessidade e possibilidade de dar esse passo, além de pessoas preparadas e dispostas a servir seus irmãos e irmãs através do ministério presbiteral na sua comunidade. Nem toda comunidade deve ou estará em condições de ter presbíteros comunitários. Nem mesmo todas as dioceses. Talvez o caminho melhor seja o que foi pensado, “mutatis mutandis”, na chamada “restauração” do diaconato permanente: aprovada pela instância competente a ordenação de homens casados (de certa maneira, é disso que se trata, uma vez que esta era a praxe mais comum no primeiro milênio), “as várias espécies de competentes grupos territoriais de bispos, com a aprovação do sumo pontífice, decidem se e onde é oportuno instituir tal tipo” (Lumen Gentium 29) de presbíteros, cabendo às dioceses definir sinodalmente seu próprio caminho.
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