Rico e pobre na perspectiva do Reino de Deus

04 de Octubre de 2019

[Por: José Neivaldo de Souza]




Os Conceitos rico e pobre sempre foram uma pedra no sapato da teologia cristã. Na Idade Antiga as primeiras comunidades exaltavam a pobreza e entendiam que o desprendimento é o caminho para a concretização da mensagem evangélica: amor e dedicação ao Reino de Deus. Ao unir-se ao Império Romano, a igreja se propõe a não só defendê-lo, mas a justificá-lo teologicamente e participar de sua fortuna, mudando o seu foco durante toda a Idade Medieval. A Reforma Protestante, na Idade Moderna, entrando nas configurações pré-capitalistas e se unindo ao Estado, também se ajustou à riqueza deste mundo assegurando os seus interesses materiais. Hoje, há um embate entre as teologias e o confronto entre os conceitos continua. 

 

De um lado, uma teologia que ouve o Mestre Jesus, o interpreta e procura segui-lo, considerando os pobres como o lugar privilegiado do anúncio; do outro lado, uma teologia que, apesar do discurso bíblico, prefere o conceito de prosperidade ou riqueza. Pobre ou rico, qual é a vontade de Deus?  

 

O mundo passa, tudo passa! Hoje estamos bem, o amanhã não sabemos.  É preciso transformar o coração e a mente. Jesus aborda este tema na parábola do “O rico e o Lázaro” (Lc 16,19-31). Na perspectiva do Reino de Deus os valores são invertidos: o rico é pobre e pobre é rico. 

 

Na perspectiva do poder e do dinheiro, rico é quem se gloria e se orgulha pelos bens que possui, ou sobre o poder destruidor que exerce sobre os outros e a natureza. Na lógica “deste mundo”, seus olhos não enxergam outro Reino possível. São Tiago (5,1-4) exortou: “Vós, ricos, chorai e gemei por causa das desgraças que virão sobre vós... Clama contra vós o salário que defraudastes aos trabalhadores que ceifavam os vossos campos, e os gritos dos ceifadores chegaram aos ouvidos do Senhor dos exércitos”. São Paulo, em sua carta aconselha Timóteo “Exorta os ricos deste mundo a que não sejam orgulhosos nem ponham sua esperança nas riquezas volúveis, mas em Deus, que nos dá abundantemente todas as coisas para delas fruirmos (1 Tim. 6, 17).

 

Por outro lado, uma teologia que adota o pobre, como “fim” em si mesmo, não é libertadora. A pobreza é uma “mediação” na qual Deus se revelou. O objetivo do evangelho não é tirar o pobre da miséria, mas revelar o amor de Deus para que ele possa levantar e, em sua caminhada, viver no amor:  “Ouro e prata não tenho, mas o que tenho te dou: em nome de Jesus Cristo, levanta-te e anda” (At 3,6). Também Paulo, em sua carta aos corintos, escreveu: “Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria” (1 Cor. 13, 3). Quem considera a pobreza como um fim colocando-a acima do amor não entendeu a mensagem do evangelho. A teologia da pobreza está na pregação de Jesus como “lugar” da revelação de Deus: “Felizes os pobres em espírito” (Mt 5,3a). 

 

Na perspectiva do Reino de Deus o pobre é rico. Esta riqueza não está na dimensão do poder, do lucro desigual, mas em nível do espírito, onde se dá a fraternidade e a partilha. O amor inverte a lógica deste mundo: quem perde, ganha; quem ganha, perde; quem está triste, vai se alegrar; quem está alegre vai ficar triste. O rico, ao se deixar dominar pelos bens materiais, não se importa com o verdadeiro tesouro. Também o pobre, cujo coração cultiva a inveja aos ricos e a ambição ao dinheiro, continua na miséria. O pobre, em espírito, ainda que nada possua, o seu coração despojado almeja o Deus de amor e justiça, a exemplo de Jesus Cristo: “Jesus Cristo, sendo rico, se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza” (2 Cor 8, 9).

 

A Igreja de Jerusalém era pobre, passava por necessidade. A Igreja de Corinto, ao contrário, sendo rica fez-se pobre, se solidarizando, partilhando seus recursos com os perseguidos, desempregados, doentes, viúvas e órfãos daquela comunidade. Pobre em recursos materiais, a Igreja de Jerusalém era rica, não em dinheiro, pois o amor a ele é “a raiz de todos os males” (1Tm 6,10a), mas em espírito. Ela colocou no bolso a fé em Jesus, o amor, a justiça, o zelo pela obra de Deus e a esperança de que, sem diferença de classes, todos são chamados ao banquete da criação. Este é o desejo de Deus. 

 

Não é da riqueza que surge a pobreza, esta lógica é do lucro, do sistema injusto e capitalista que vivemos. Em espírito, o fiel entende que é da pobreza que vem a riqueza, entendida como “valor” do Reino. Jesus deu o exemplo ao ensinar: “o que fizestes a um dos menores destes meus irmãos a mim o fizestes” (Mt 25,40). Se ele está no pobre e, sendo rico, utiliza-se da pobreza para indicar as riquezas do Reino, logo não podemos ignorar este conceito que, mais uma vez, cabe repetir: não é fim em si mesmo, mas meio para a compreensão do Querígma. 

 

 

Imagem: https://www.museodelprado.es/coleccion/obra-de-arte/el-rico-epulon-y-el-pobre-lazaro/7b70e2e6-9abc-4acd-92d1-e27ece35ecc1 

 

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