Novos apelos de Deus no Sínodo para a Amazônia

23 de Agosto de 2019

[Por: Marcelo Barros]




Padres, bispos e povo de Deus que vivem e têm sua missão na Amazônia só podem se alegrar com o fato de que o papa Francisco convocou para esse mês de outubro uma sessão extraordinária do Sínodo dos Bispos do mundo inteiro sobre a Amazônia e seus desafios para o mundo e para as Igrejas cristãs. Desde que há dois anos (2017), o papa Francisco anunciou esse sínodo e aqui na América do Sul e em Roma, o processo de preparação para o Sínodo foi iniciado, a Amazônia tem sido centro de atenção, tema de estudos e de interesse para as comunidades e organizações de todo o mundo.

 

É surpreendente que toda a Igreja Católica, isso é, pastores e fieis, sejam convocados por esse Sínodo a uma escuta humilde e atenta para aquilo que o documento que servirá como texto de trabalho para o sínodo chama de “a voz da Amazônia”. Na segunda parte do instrumento de trabalho, a proposta é escutar o clamor da terra e dos pobres. E a terceira parte propõe uma Igreja profética (que escuta e se insere na realidade da Amazônia). 

 

Desde os tempos do Concílio Vaticano II, há mais de 50 anos, o santo papa João XXIII convidava toda a Igreja a escutar os sinais dos tempos. Isso significa aprender a interpretar corretamente a realidade para discernir a palavra de Deus não só vinda da Bíblia e da tradição da Igreja, mas dos acontecimentos cotidianos e do que está acontecendo no mundo. Sabemos que essa proposta de interpretar os sinais dos tempos vem de Jesus no evangelho (Mt  16, 3). No entanto, não fomos educados para isso. Comumente preferimos abrir os livros sagrados e a doutrina de sempre para saber o que devemos fazer. Agora, vem o Sínodo e nos pede para desenvolver a capacidade de escutar a voz da Amazônia, ouvir o clamor da Terra e dos pobres e verificar se estamos mesmo sendo uma Igreja profética, inserida na realidade dos povos da Amazônia. 

 

Essa atenção respeitosa e cuidadosa da realidade é o que os profetas da Bíblia fizeram para nelas escutar a palavra de Deus e assim proclamá-la ao povo bíblico. Hoje, somos chamados a fazer na Amazônia e em todo o mundo o que Amós, Oseias, Isaias, Jeremias e os outros profetas de Deus, homens e mulheres fizeram em seu tempo. E foi o mesmo que Jesus ensinou os discípulos a fazer quando falou em sinais dos tempos.  

 

É compreensível que mesmo cardeais e bispos tenham dificuldade de compreender que a perspectiva não é como converter a Amazônia para a Igreja e sim como converter a Igreja para a Amazônia. O próprio fato de que o Sínodo tenha como tema “A Amazônia, o desafio da Ecologia Integral e a Missão das Igrejas” já surpreende. Ainda há irmãos e irmãs que separam a missão religiosa das preocupações sociais, ecológicas e políticas. E o papa Francisco ensina que a Ecologia integral é objeto da missão da Igreja. Escreve uma encíclica sobre o cuidado da Casa Comum e pede de todos não somente conversão interior e moral, mas conversão ecológica e comunitária. 

 

A ecologia integral não trata só do ambiente, da fauna e da flora. É um olhar holístico sobre as relações em nossa casa comum. Ecologia integral é uma forma de compreender a vida. Envolve pensamento, política, programa educativo, estilo de vida e amorosidade na relação com a natureza e com a sociedade humana. Essa relação de solidariedade e amor como postura social e política tem sido chamada por espiritualidade como atitude antropológica, mais do que como expressão religiosa. Ela se fundamenta na cultura tradicional dos povos, mas também em uma nova forma de olhar a Terra, as águas e toda a comunidade da Vida. Esse modo de compreender a vida, baseado na sabedoria ancestral dos povos amazônicos, busca soluções integrais que unam os sistemas naturais e a realidade social. A crise é uma só: sócio-ambiental. A solução exige a luta contra a pobreza e o cuidado com a natureza. Tudo está interligado.

 

Um desafio urgente é deter o modelo de desenvolvimento depredador. Em sua sabedoria, os povos tradicionais da Amazônia criaram sistemas produtivos rentáveis, sem derrubar a floresta (açaí, cupuaçu, castanha, peixes, etc). O que destrói o bioma é a monocultura (soja, gado, mineração). Diante dos megaprojetos de mineração, petroleiros e agroindustriais, como das hidroelétricas que ameaçam a Amazônia, é fundamental responder a alguns questionamentos fundamentais para ver se esses projetos levam a um desenvolvimento integral: É importante ter claro para que serve tal projeto, por que se considera necessário, onde será executado, quando, de que modo e para quem. É preciso ver claro quais são os riscos, a que custo, quem paga esses custos e como se fará isso.  

 

Em sua longa história, a relação dos povos amazônicos e de sua terra e seus rios com a cultura e as expressões de fé trazida à região pelos missionários católicos e evangélicos quase sempre não favoreceu a preservação da floresta, o respeito à diversidade das culturas e a dignidade de todas as pessoas. É bom saber que, mesmo se no Brasil, o atual governo se posiciona de forma autoritária e oposta ao bom senso, em toda a região amazônica que cobre novos países do continente, ao menos a parte mais sadia das Igrejas e da sociedade civil se dispõe a escutar a voz dos povos tradicionais como novo apelo de Deus em favor da Vida e da Ecologia Integral. 

 

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