Alma não come pão, come beleza

15 de Agosto de 2019

[Por: José Neivaldo de Souza]




“Quem experimenta a beleza está em comunhão com o sagrado”, escreveu Rubem Alves1. Minha teologia não é estética, mas invejo quem coloca estética na teologia. A beleza, mais uma vez, provoca o meu pensamento. Em outro texto escrevi que há duas maneiras de enxergá-la: em sua forma objetiva, isto é, a realidade externa se revela aos sentidos e, independente do gosto de cada pessoa, se impõe como bela. Concordamos, sem questionar, com uma cultura hedonista que aguça o pensamento e ações ditando o que é bom e belo. Nesta abordagem, a beleza é externa, vem de fora, e tem um caráter autoritário. A outra forma da beleza é própria da subjetividade, pertence ao mundo interior, é coisa da alma que busca o que não se revela, o escondido, o mistério por traz das aparências. A beleza, sob esta ótica, não se concentra no objeto, vai além, apesar de refletir nele a liberdade e a alegria. É coisa de quem, mesmo em dias tristes, se aventura a buscar outra beleza; de quem não se contenta com as aparências; de quem só vê as belezas do mundo porque há beleza dentro de si2. Ter prazer é bom, mas não o prazer que nos faz perder a alegria.

 

No sentido objetivo, a beleza nem sempre é palatável. As pessoas se convencem de sua necessidade. Ela tem sua razão de ser num prazer mesquinho, voltado para ego, sem se importar com o outro. A beleza, reduzida aos prazeres da carne, é pequenez. Não encanta o espírito e a alegria que alguém sente em acumular riquezas ou viver de espetáculos, não é a mesma daqueles que buscam a simplicidade e a leveza da alma. A beleza, direcionada ao corpo, de forma objetiva, não se importa com o pensar e o sentir da alma, concentra-se no corpo e sua compulsão. E, manifestando os próprios interesses, cega ao mundo interior, prefere o ódio ao amor; a injustiça dos abastados à dignidade dos que nada têm. Ela desconhece a verdade e a trata como um caminho, enganoso e presunçoso, para exercer o seu poder. A beleza, neste sentido, tem a sua feiura!

 

A beleza, como fonte da alma, pelo contrário, é capaz de discernir o essencial do supérfluo, a alegria do prazer. Ela se alimenta do amor, nome que damos ao Deus verdadeiro e que nos fascina mais por sua ausência do que por sua disposição em nos deixar ricos. Ela não nos abastece de pão, mas provoca nossa fome de amor. O pão partilhado com amor deixa a fome mais alegre. Em outras palavras, a fome, na perspectiva do amor, tem a sua beleza, ela se desemboca na comunhão. A carta de Pedro, escrita às primeiras comunidades, conhecidas como “caminho do amor”, ressalta a beleza observando que ela mora, não no mundo das aparências, mas na alma, nome que damos ao infinito dentro de nós: “A beleza de vocês não deve estar nos enfeites exteriores... Mas, no interior, onde não perece. Ela é demonstrada num espírito dócil e tranquilo, eis o que Deus valoriza” (1Pe 3,3a-4). 

 

É isso! A alma se alimenta de outra beleza, ela não come pão e nem acumula riquezas. É uma beleza que deixa o corpo leve. “Não é raro que os comedores de beleza se tornem criaturas aladas e desapareçam no azul do céu (...) A beleza é coisa da leveza”3. O pão é necessário para matar a fome do corpo, mas quem se empanturra de comida passa mal, fica doente. É sinal que a ansiedade precisa ser controlada, curada. Mas, a beleza da qual a alma se alimenta é amor, dizia Santo Agostinho. Na medida que cresce o amor, transparece a beleza, pois ela se origina do amor. Jesus revelou esta beleza ao responder à sua maior tentação: “Nem só de pão vive a pessoa, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4). Quem é o Deus de Jesus? Deus é o nome que ele dava ao amor! O evangelista João definiu bem: “Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor” (1Jo 4,4).

 

O entendimento da beleza vai além do prazer, busca a alegria completa. Sua fonte está em Deus cujo nome é amor. É desejo da alma, é saudade do infinito. Não vou negar que o prazer tem a sua beleza, principalmente quando abraçamos a pessoa amada ou escutamos uma sinfonia que nos transporta. Mas, não é este prazer que analiso. Meu juízo se direciona ao hedonismo frio, sem consciência crítica e carente de autoexame que, atuando em favor de um poder interesseiro, alimenta injustiças e preconceitos. O escritor russo Leon Tolstoi diria que é sábio analisar nossos pensamentos e atos, a começar pelos não inteligentes, injustos e os que não são necessários à vida4

 

Notas

 

1 ALVES, Rubem. 300 Pílulas de Sabedoria. São Paulo: Planeta, 2015, p. 195. 

2 Cf. AVES, Rubem, 2015, p. 215. 

3 ALVES, 2015, p. 56. 

4 Cf. TOLSTOI, Leon. Pensamentos para uma vida feliz. São Paulo: Prestigio, 2005, p.159.

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