13 de Agosto de 2019
[Por: Emerson Sbardelotti]
Escrever sobre Teologia, Teologia da Libertação numa perspectiva a partir da Literatura, pois a Teologia é uma ciência, e a Literatura é uma arte!
Teologia é a ciência dos deuses. É o estudo das questões referentes ao conhecimento da divindade, de seus atributos e relações com o mundo e com os seres humanos e com a verdade religiosa. É o estudo racional dos textos sagrados, dos dogmas e das tradições do cristianismo. É uma linguagem posterior à Revelação e à Fé.
Literatura é a arte verbal. Se expressa por meio da palavra em contraste com os sinais visuais da pintura, da escultura, da música.
O objetivo é o de criar pontes e observar o encontro de águas que não se misturam, mas que irão desembocar no mesmo mar: o ser humano; com carinho, os pobres!
Vivemos uma era secularizada com real distanciamento do sagrado por um lado, e por outro, uma exagerada procura de religare, com frequência sem identificação alguma com instituições a partir de um individualismo e relativismo cada dia maiores. A partir da perspectiva da Literatura, caminhos diferentes se encontram e se complementam, dando-nos a certeza de que grandes santos não foram teólogos, e mesmo assim, teologizaram; e que grandes escritores foram e são exímios evangelizadores sem tomar qualquer defesa desta ou daquela fé. O importante é o respeito, o diálogo e o encontro que ambos caminhos traçam para falar do Deus dos pobres.
A Literatura tem muito a contribuir para o pensamento teológico, sem prévia instrumentalização, mas mostrando como um texto, uma poesia pode influenciar este pensamento, não somente contemplando a Deus e seu mistério. Não é novidade nenhuma para a Literatura pensar a Teologia, pois muito da experiência do sagrado vivida pelos pobres do Israel bíblico e que se tornou nossa herança com Jesus de Nazaré, se transmitiu por via literária, em seus textos fundadores, em seus mitos fundantes de cultura. Para a Teologia o processo não é tão simples, por ser uma ciência, entendendo-se como portadora de um conhecimento absoluto e que utiliza outras formas e maneiras de expressão.
O Brasil, a América Latina e Caribe produziram grandes teólogos e teólogas, perseguidos/as, ou não, por causa da evangélica e radical Opção pelos Pobres e da Teologia da Libertação; sem dúvida produziram grandes autores e autoras de Literatura, que militando ou não em um partido político, não deixaram de lado suas atividades e preocupações políticas e pastorais, principalmente aquelas referentes à vida dos pobres e de todos os discriminados que se encontram todos os dias pelas ruas de nossas capitais. Por causa da Literatura que estas autoras e autores produziram, e produzem, é que se encontrou o lugar legítimo de uma expressão fiel do pensamento latino-americano, caribenho e brasileiro, globalizado e da Vida. É neste ponto da transparência da realidade hodierna que se encontram a Teologia, a Literatura e a Libertação. Assim, poderemos entender com maior clareza o que o salmista canta:
“Até quando julgareis com iniquidade
e levantareis o rosto dos perversos?
Julgai o necessitado e o órfão!
Fazei justiça ao oprimido e ao indigente!
Fazei o necessitado e o pobre escaparem,
libertai-os da mão dos perversos!” (Sl 82,2-4).
O Deus dos pobres a partir de uma perspectiva de interpretação literária ainda não foi suficientemente debatido, mas nem por isso, deixa de ser uma perspectiva importante. A sensibilidade que nasce da arte que é a Literatura, sente-se o Deus dos pobres.
O desafio constante é o de não cessar o diálogo entre Teologia e Literatura, através de aprofundamentos na academia e nas Comunidades Eclesiais de Base; a missão é a de pensar juntos o melhor caminho a ser percorrido.
O Deus dos pobres é o Deus dos profetas do Primeiro Testamento como também é o Deus de Jesus de Nazaré no Segundo Testamento, que vê e ouve os gritos e gemidos dos massacrados, dos escravizados, dos injustiçados, dos perseguidos, dos explorados, dos discriminados; que desce para libertar e quebrar todas as algemas que não deixam a vida seguir seu rumo, que envia seu Filho amado para proclamar um Reino baseado nas bem-aventuranças.
Tudo começa em Deus, e este oferece a graça salvadora a todos, sem distinção e chega à plenitude na pessoa de Jesus de Nazaré, o Filho morto e ressuscitado. Deus se revela por meio de atos e palavras, encarnando-se, para transmitir de forma eficaz a sua mensagem de vida. E esta, sem dúvida, tem um público preferencial: os pobres!
Uma nova evangelização surgiu na Conferência de Medellín, por vontade de São Paulo VI, com a preocupação de que a Igreja Católica na América Latina e Caribe assimilasse o Concílio Ecumênico Vaticano II. Tal proposta foi além do Vaticano II e das preocupações do Papa. Medellín irá pensar a nova evangelização a partir dos pobres, na linha de sua libertação.
No meio das culturas nativas e populares se espalhará esta nova evangelização, da qual se fortalecerão as Comunidades Eclesiais de Base (desde o início: missionárias), a Leitura Popular da Bíblia, a Teologia da Libertação e os cursos de Teologia para Leigos/as, o processo libertador dos pobres com a ruptura do sistema dominante, uma vida religiosa abundante e inserida, uma educação libertadora a partir do método Paulo Freire, que iluminou a relação espontânea de dependência de pessoas do povo em face do opressor, que era considerado muitas vezes como benfeitor. Tal pedagogia favorece o clima de igualdade, fraternidade dentro e fora da Igreja. Fé e Vida tornam-se o mote fundamental.
Era a evangelização voltada para a ação: uma verdadeira irrupção de fé na Igreja do povo pobre. Aposta-se na renúncia ao poder e à pompa eclesiástica. Acredita-se nas pequenas Comunidades Eclesiais de Base como lugar, fonte e força evangelizadora. Insiste-se em celebrações da Palavra e encontros de comunidade e se dialoga com os irmãos e irmãs de outras Igrejas. Apesar de muitos se colocarem contrários a essa forma de evangelizar, ela prosseguiu até os dias atuais, marcando presença nas Conferências seguintes, mas não mais com hegemonia. No Brasil, parte da hierarquia da Igreja, se fechou e se voltou para uma Igreja da cristandade, combatendo a todo custo a Igreja dos Pobres, que sempre teve uma presença significativa, não majoritária; nos últimos anos, porém, aconteceram retrocessos acompanhados de um desejo enorme de se voltar, de todo, para uma Igreja da cristandade.
Teologia, Literatura e Libertação é um novo mote de reflexões que busco trabalhar no cotidiano da Comunidade Eclesial de Base em que participo, com as pessoas que me relaciono. A leitura e o estudo transformam o ser humano. Quando não há uma transformação, está se fazendo uma leitura errada do texto, não está se colocando em prática o que de fato é dito no Evangelho. Daqui alguns anos estaremos comemorando os 50 anos da Teologia da Libertação e da obra de Gustavo Gutiérrez, Teologia da Libertação – Perspectivas (1971) que inaugura todo o debate em torno de uma Teologia que quer ser ponte, que sabe dialogar, que vai ao encontro e que respeita o diferente. A Literatura só tem a ajudar!
©2017 Amerindia - Todos los derechos reservados.