Beleza: O alimento da alegria

08 de Agosto de 2019

[Por: José Neivaldo de Souza]




“Era prazer? Era. Mas era mais que prazer. Era alegria. A diferença? O prazer só existe no momento. A alegria é aquilo que existe só pela lembrança. O prazer é único, não se repete. Mas a alegria se repete sempre. Basta lembrar” (Rubem Alves).

 

Tenho pensado sobre a beleza. Há duas maneiras de enxergá-la: em sua forma objetiva, isto é, as coisas, as pessoas e a natureza se impõem como belas aos nossos sentidos e independem do nosso gosto; se colocam ao prazer. A beleza, nesta compreensão, vem de fora e tem um caráter autoritário. Em sua forma subjetiva, ela não está no objeto, mas é reflexo dos olhos de quem contempla, é coisa do mundo interior, coisa de quem busca a alegria. É nesta direção que entendo é beleza. Ela é coisa da alma. 

 

Rubem Alves escreveu: “Alma não come pão. Alma come beleza. O pão engorda. Faz o corpo ficar pesado. A beleza, ao contrário, faz a gente ficar cada vez mais leve. Não é raro que os comedores de beleza se tornem criaturas aladas e desapareçam no azul do céu (...) A beleza é coisa da leveza”1

 

No sentido objetivo, a beleza nem sempre é palatável, mas as pessoas se convencem que ela é essencial à sobrevivência humana. Perguntam: “o que é a alma? O importante é o que supra nossas necessidades materiais e nos dê prazer”. Faltam pouco a gritar, como os romanos: “Queremos pão e circo!”. Reduzem a beleza às necessidades da carne. Aplico a esta massa, de fácil manobra, cega à verdadeira beleza, as palavras do pensador Alexander Arkhangelsky, interpretada por Leon Tolstoi: “sem pensar muito, cuida apenas das coisas exteriores, pondo em ordem apenas seus interesses mesquinhos e sujos; ela se torna mentirosa, presunçosa, escrava e não sente nenhuma das necessidades superiores: liberdade, verdade e amor. Ela fica afastada da luz do intelecto porque de fato está morta”2

 

A beleza interior, pelo contrário, sabe discernir o essencial do supérfluo, a alegria de prazer. Ela se alimenta do infinito; da ausência que habita o corpo; do espírito que, sem pretensão de matar a fome de pão, provoca fome de amor. Quando criança, eu vi a beleza. A empregada dos meus avós, uma senhora negra, gordinha, de vestido longo e tamancos nos pés. A cozinha era dela. Ali, naquele mundo, ela desempenhava com alegria o seu papel. Quando chegávamos desesperados para comer, ela nos pedia para repetir até que nos acalmássemos: “fome, fome, fome...”. Rubem Alves escreveu: “A parte mais importante da sabedoria da cozinheira não é a técnica de matar a fome, mas a arte de provocar a fome, de abrir o apetite”3

 

Hoje eu sei, ela era um anjo! Não pela formosura do rosto, mas pelo encanto da alma. A carta de Pedro me dá esta certeza: “A beleza de vocês não deve estar nos enfeites exteriores, como cabelos trançados e joias de ouro ou roupas finas. Ao contrário, esteja no ser interior, que não perece, beleza demonstrada num espírito dócil e tranquilo, o que é de grande valor para Deus” (1Pe 3,3-4). 

 

 Quem entende a beleza na perspectiva do prazer não vai além do objeto desejado, isto é, o corpo material. Mas a beleza, sob a ótica da alegria, se alimenta de fome e não de comida; se alimenta ausências e seu objeto, como bem escreveu Saint Exupéry, no Pequeno Príncipe: “é invisível aos olhos”. 

 

Notas

 

1 ALVES, Rubem. 300 Pílulas de Sabedoria. São Paulo: Planeta, 2015, p. 56. 

2 TOLSTOI, Leon. Pensamentos para uma Vida Feliz. São Paulo: Prestigio, 2005, p. 27.

3 ALVES, Rubem. Variações sobre o prazer. São Paulo: Planeta, 2011, p. 156.

 

 

Imagem: https://tv.joycemeyer.org/espanol/devotional/pasando-las-pruebas-de-la-vida/ 

 

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