O que os olhos enxergam?

27 de Junio de 2019

[Por: José Neivaldo de Souza]




“Todas as nossas palavras serão inúteis se não brotarem do fundo do coração. As palavras que não dão luz aumentam a escuridão”

 

Tereza de Calcutá

 

As palavras têm poder! Já escrevi sobre isso, mas este tema sempre retorna e provoca em mim reações de estranhamento. Sinto que há algo mágico e encantado na linguagem. Rubem Alves escreveu: “As Palavras só têm sentido se nos ajudam a ver um mundo melhor. Aprendemos palavras para melhorar os olhos”. De onde vem este encanto? Por outro lado, os olhos possuem o dom de enxergar o belo escondido nas coisas e o silêncio nada mais é senão a expressão de humildade das palavras. Diante de um espetáculo, a visão se alarga e a boca se cala! Rubem Alves aconselha aos seus leitores: “ao lerem os meus textos, fiquem com os olhos semelhantes aos meus. Assim, eles verão o mundo da forma como eu o vejo – e as palavras se tornarão, então, desnecessárias”. Eis uma teologia da beleza: Palavras melhoram os olhos e os olhos são melhorados pelas palavras. 

 

As palavras que melhoram os olhos! Apesar de muitas dúvidas, tenho a ideia de que as palavras têm o poder de transformar coisas e pessoas. Freud dizia que a cura do corpo e a libertação psíquica se dão, principalmente, no desenrolar de um novelo guardado, não esquecido, no inconsciente. Um novelo de traumas e decepções a ser desenrolado pelas palavras. A dor de existir, física ou psíquica, destinada e revelada a um outro que nos escuta e compreende, pode se transformar em alívio. Os olhos, antes turvos, voltam a enxergar a beleza da existência.  

 

Na Bíblia, o povo de Israel, através de um salmista, revelou-se como vítima da opressão e saiu com a certeza de que Deus ouviu o seu clamor. Seus olhos contemplaram um novo reino de justiça e paz: “Por causa da opressão do necessitado e do clamor do pobre, agora me levantarei”, diz o Senhor... As palavras do Senhor são verdadeiras, são puras como a prata purificada num forno, sete vezes refinada” (Sl 12, 5-6). Jesus, encarnando a compaixão divina, peregrinava por todas as cidades e povoados ouvindo as pessoas em sua dor e culpa. Muitas, “como ovelhas sem pastor” (Mt 9,35-36), por uma simples palavra: sua fé te salvou”, levantaram e enxergaram um outro mundo possível. As palavras de Jó (4,5), ressoavam naquela nova cultura: “Antes eu te conhecia de ouvir falar, mas agora os meus olhos te veem” 

 

Olhos que melhoram as palavras! Os olhos do coração. Leio um provérbio judeu: “o que não se vê com os olhos, não se testemunha com a boca”. Ainda que a visão física enfraqueça, o coração continua a enxergar a beleza da vida. O coração contempla mais pelos olhos e menos pelos ouvidos. Sêneca, filósofo romano, dizia que, nesta compreensão, o caminho se torna mais tranquilo e eficaz. De fato! Somos mais seduzidos pelo exemplo do que pelas doutrinas. Blaise Pascal, filósofo do sentimento, escreveu que a linguagem do coração passa pelos olhos, eles interpretam a realidade e dão novo sentido à vida. 

 

O que os olhos enxergam? Eles podem não ver a beleza. Para Nietzsche, jamais veremos a dança e a harmonia das coisas se os nossos olhos, escravos de nós mesmos, não se voltam para fora. Eles se tornam mais perigosos do que um arsenal de armas. A visão que temos de nós mesmos, deve ser desconstruída para dar lugar a novos olhares e novas luzes. Precisamos nos ver melhores para que enxerguemos um outro mundo possível e nossas palavras sejam melhoradas.   

 

 

Imagem: https://definicion.mx/ojos/

 

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