A andorinha e a serpente no Tribunal “lava jato”

20 de Junio de 2019

[Por: José Neivaldo de Souza]




Os últimos acontecimentos, revelados pelo site “Intercept” nos ajudam a questionar os tribunais enquanto garantidores da justiça. A imparcialidade é própria da ética do magistrado. É simples: quem aprecia o futebol sabe que, numa partida, o juiz não pode ser torcedor, pois favorecerá um time e prejudicará o outro. Um processo judicial é como um jogo, uma partida, o juiz que nele atua tem o compromisso com a justiça e sua missão é interpretar e julgar com base nos autos, assegurado pelas provas e isso foi estabelecido pela Constituição Federal de 1988.

 

Diante da matéria publicada pelo site “Intercept”, a reação do ex-juiz Sérgio Moro, o então ministro da Justiça, é um tanto desesperadora: censura o jornalista Glenn Greenwald por ter publicado a matéria sem antes ter comunicado a ele. Esquecera que havia feito o mesmo ao mandar hackear as conversas da presidente Dilma com Lula impedindo assim que ele se tornasse ministro da Casa Civil. Mas, independentemente disso, o fato é o seguinte: o celular de Sérgio Moro, enquanto juiz da operação “Lava Jato”, fora hackeado. Algumas conversas com os procuradores, de maneira particular com Deltan Dallagnol, revelam que ele, coordenador da força-tarefa, na época, orientou as investigações, propôs trocas de fases, e deu sugestões via o aplicativo Telegram. Seria duvidosa a matéria se os procuradores negassem, mas isso não aconteceu, pelo contrário, afirmaram que de fato trocaram mensagens. Estes acontecimentos envolvendo o ex-juiz, os procuradores e o governo, são dignos de uma analogia. 

 

Há uma fábula de Esopo cujo título é “A andorinha e a serpente”. As fábulas nos dizem, através de alegorias, sobre a corrupção humana e ânsia pelo poder. Aqueles que denunciam o mal, se não ficarem atentos, podem sucumbir a ele. Esopo escreveu: “Uma andorinha tinha feito seu ninho dentro de um tribunal. Tendo se ausentado, uma serpente foi até o ninho e devorou os seus filhotes. Quando voltou e viu o ninho vazio, aterrada pela dor pôs-se a chorar. Uma andorinha amiga tentou consolá-la, dizendo-lhe que ela não era a única com quem acontecia tal desgraça. Mas a mãe desconsolada respondeu: ‘O que me aflige é menos a perda de meus filhotes que o fato de ser vítima desse crime num lugar em que os ultrajados esperam por justiça’”. 

 

O que nos aflige é o fato de que a nossa decepção é bem maior quando o engano vem de onde menos esperamos. A andorinha e a serpente estão em todo lugar e não deixariam de estar nos tribunais cujo objetivo maior é garantir justiça aos cidadãos. Ao fazer uma comparação com o que estamos presenciando na política brasileira, percebemos que a serpente e a andorinha existem, a um só tempo, em todos nós e, por isso, onde há pessoas, ali existe contradição e luta pelo poder. 

 

Temos que aprender com os fatos. A andorinha que habita em nós denuncia a crueldade da serpente que também em nós faz morada e devora os nossos sonhos e a vontade de acreditar que haverá um poder livre de corrupção e que preza pela justiça e o princípio da isonomia. Leio o evangelho de Mateus (26, 41-42). Jesus nos atenta para a serpente que habita em nós: “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação. O Espírito, com certeza, está preparado, mas a carne é fraca”. Expulsar a serpente que se instala nos tribunais não é mais importante do que expulsá-la de dentro de cada um de nós. A andorinha, mais do que se lamentar por ter perdido seus filhotes, num lugar onde se trabalha pela justiça, deveria ser mais astuta de tal forma a não depositar toda confiança num lugar onde, por experiência sabemos, não nos garante segurança e tampouco justiça.  

 

 

Imagem: https://www.alainet.org/es/articulo/200408 

 

Procesar Pago
Compartir

debugger
0
0

CONTACTO

©2017 Amerindia - Todos los derechos reservados.