O Reino de Deus no Antigo e no Novo Testamento (Reino-Igreja-Mundo 2)

24 de Mayo de 2019

[Por: Agenor Brighenti]




Na abordagem do tripé da concepção de Igreja na perspectiva da renovação do Vaticano II – Reino-Igreja-Mundo - comecemos pelo Reino de Deus. Neste primeiro momento, vamos nos limitar ao que se entende por Reino de Deus na Bíblia. O Reino está bem presente no Antigo Testamento, desde o tempo da monarquia. Mas, é no Novo Testamento que o Reino de Deus é apresentado de modo mais claro e consequente para a Igreja. Nos evangelhos sinóticos, a evocação do Reino de Deus é onipresente. Aparece quase cem vezes na boca de Jesus, enquanto que a Igreja só é mencionada duas vezes e apenas em Mateus (cf. Mt 16,18; 18,17), o que mostra sua preponderância em relação à Igreja. Jesus não pregou Deus, mas o Reino de Deus. O Deus de Jesus é o Deus do Reino.

 

O Reino de Deus no Antigo Testamento 

 

No antigo Oriente, a designação de um deus como “rei” estava muito propagada. A divindade exerce sua soberania sobre seu povo e seu território. Deus é dono do país, outorga prosperidade e bem-estar, corrige e castiga. A queda do reino terreno era a prova de que aquele deus não existia. O reino terrestre é a epifania ou manifestação do deus daquele reino.

 

No povo de Israel, que vivia neste contexto cultural, é somente a partir do período da monarquia que se começa a chamar Javé de “Rei”. Com a elevação de Jerusalém como sede régia, o titulo “rei” irá substituir títulos mais antigos como “Deus Pai”. Por influência da concepção cananeia, segundo a qual é com a construção de um templo que se demonstra a dignidade régia de Deus, no seio do povo de Israel logo os Salmos irão cantar a realeza de Javé (cf. Sl 47; 93; 96;99), cuja ação criadora é expressão de sua soberania sobre o mundo (cf. Sl 24, 1ss; 96, 5-10). 

 

Com os profetas, o Reino de Deus passa a ser compreendido como menos terreno e mais escatológico. Em lugar de templo e território, os profetas anunciam o Reino como salvação universal. Isaías alimenta a esperança do povo em um reinado de paz, de um novo Davi sobre Sião. Jeremias fala do Reino como uma nova aliança, pela qual serão transformados os corações (Jr 31,31ss). Outros descrevem o novo reinado de Javé como felicidade consumada, que através de Israel será oferecida a todos os povos (Ez 34, Miq 4; Is 9, 25). Por fim, do Reino de Javé faz parte a supressão da morte (Is 25, 6ss), pois se trata de um Reino escatológico.

 

No judaísmo tardio, a esperança no reinado de Deus adquire três configurações distintas: a) uma escatologia nacional, em que o Messias esperado aparece como o libertador e fundador político de um Israel novo e justo, como acreditavam os zelotes; b) uma realeza recebida por Israel e oferecida aos gentios, conforme a tradição rabínica; c) o reino como o universo transladado ao céu, tal como apregoava a apocalíptica, em que se calculam as semanas dos anos até o “dia de Javé” (Dn 2,37-45). 

 

O Reino de Deus no Novo Testamento 

 

No Novo Testamento, o Reino de Deus, que “está próximo” (Mc 1,15; Mt 4,17) ou que está “no meio de nós” com a presença de Jesus, é a realização da promessa do Antigo Testamento. Na pregação de Jesus, a soberania de Deus não é o domínio do Criador, mas o reinado escatológico de Deus que, no seio da história, sem transformação cósmica e sem nova constituição política de Israel, já começou. Ele se destina a todos – publicanos e meretrizes, aos enfermos, crianças e pobres (cf. Mc 2,15; 10, 15-16). O Reino de Deus é salvação e não juízo, pois a alegria de Deus é perdoar os pecadores arrependidos (cf. Lc 15). A separação entre bons e maus, só terá lugar no juízo final (cf. Mt 13,24ss). 

 

As obras de Jesus mostram que o Reino de Deus está presente, no meio de nós. As curas e os exorcismos são sinais da presença histórica do Reino – “Ide dizer a João: os cegos veem, os coxos andam...” (Mt 11,4; Lc 14,18). Consequentemente, Jesus não só anuncia o Reino de Deus como o torna presente. Os discípulos são chamados bem-aventurados, porque ouvem e veem o que muitos profetas e reis desejaram ver e não viram (Mt 13,16). Jesus convida a acolher este Reino que, entretanto, não lhe pertence, mas ao Pai (Lc 12,32; 22,29ss). Só o Pai conhece a hora (Mt 24,36). O Reino tem um caráter consumador da história, definitivo e, como tal, as realidades históricas só podem ser dele sinais imperfeitos, ainda que dele estejam impregnadas. Nem mesmo o grupo dos discípulos e o círculo dos Doze se identificam com a grande família de Deus no Reino dos Céus, pois será integrada por gente vinda “do Oriente e do Ocidente” e que “se sentarão à mesa com Abraão, Isaac e Jacó” (Mt 8,11). 

 

Na pregação de Jesus, três são as características principais do Reino de Deus. Primeiro, ele é Boa Nova de luz e vida, é uma semente, um tesouro, uma pérola, em resumo, ele é plenitude para o ser humano, felicidade, o desabrochar total prometido àqueles que viverem segundo as bem-aventuranças (cf. Mt 5), aqui e agora. Segundo, ainda que devamos trabalhar para construí-lo (Cl 4,11), não podemos edificá-lo com nossas próprias mãos, pois ele é sempre dom, do qual Deus tem sempre a iniciativa. Ainda que o Reino esteja no meio de nós, sua plenitude é uma realidade escatológica, que começa aqui e se consuma na outra vida. Terceiro, o Reino de Deus é uma realidade coletiva. Ainda que a conversão pessoal seja a porta de entrada, ele tem uma dimensão comunitária. Ele é “paz de Deus”, justiça e amor oferecidos a todos. É comunhão sem fronteiras – “amai vossos inimigos” (Mt 5,44). Consequentemente, nenhum grupo em particular, nem a comunidade dos discípulos, são destinatários únicos das promessas do Reino.  Ele é oferecido a todos, tanto que os que o integram – “virão do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul...” (Lc 13,29). 

 

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