Escrever é preciso

21 de Marzo de 2019

[Por: José Neivaldo de Souza]




Estou cansado! Sem ânimo para as coisas que me dão prazer e escrever é uma delas. Escrever é um ato solitário e difícil. Demanda esforço! Ah... como é difícil sinalizar o lado sensível sem se contaminar com a frieza da realidade; expressar fragilidade sem a brutalidade e a cegueira humana. As palavras, ditas ou escritas, são carentes de entendimento; plenas de silêncio, desejam servir de alimento; querem ser degustadas. Sábio o Rubem Alves: “Aqueles que só entendem o que é falado ou escrito não entendem coisa alguma”. Certo ele! Quem não vai além da letra, não encontra a beleza do espírito. A letra mata, o espírito vivifica.  

 

São Paulo, em sua carta aos Coríntios (2Cor 3,6), disse que Cristo revelou uma nova aliança “não da letra, mas do Espírito”. Ele escreveu a salvação na História. O escritor, partindo das profundezas do espírito, se revela na letra, nas palavras. O leitor, por sua vez, partindo da letra precisa mergulhar nas profundezas a fim de descobrir o espírito que ali habita. Escrever, mais que desenhar letras, é desenhar mistérios, revelar os lugares e sinalizar caminhos; é colocar em sinais a vida que circula. Ler, neste mesmo espírito, é mergulhar nas letras, pescar o sentido ali escondido, e se alimentar dele. 

 

O evangelista João (21, 3-24) de forma metafórica, trata da relação letra e espírito. Os discípulos passam a noite no mar. Jogando suas redes, nada pescam. Pela manhã cedo Jesus ressuscitado aparece na praia, eles não têm o que comer. O Cristo manda que lancem as redes do outro lado, num lugar mais fundo. Assim o fazem, trazem à superfície as redes repletas de peixes. O texto diz que Jesus ascende uma fogueira e celebra com eles o milagre da pesca. 

 

À luz desta narrativa, o escritor sabe que o alimento não está na superfície e quer revelar este mistério, instigando o leitor a busca-lo em águas profundas. Escrever é penoso! Não é um esforço físico que, após alguns minutos, o corpo descansado volta a trabalhar, é esforço de alma! O leitor, em contato com a Palavra escrita, busca alimentar sua alma. Muitas vezes, no raso da superfície, nada consegue; é preciso jogar as redes em águas misteriosas, a fim de pescar o espírito que a alma deseja. O Salmo (42,2) diz: “Minha alma anseia por ti, Deus da vida. Quando o verei face a face”. Escrever é preciso!

 

Talvez o que nos bloqueia, nesta grande empreitada de escrever e ler a vida, seja o fato de nos contentar com as coisas que nos chegam superficialmente. Lembro sempre do Pequeno Príncipe, de Saint Exupéry: “o essencial é invisível aos olhos”. 

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