[Por: José Neivaldo de Souza]

Eis o problema da soberba: a certeza de que somos os melhores sobre tudo e todos. Esta convicção abre as portas a todo tipo de pré-conceito. Nesta presunção, alguém tenta convencer os outros sobre o seu poder e conhecimento, se colocando como a melhor opção para dominar uma pessoa ou uma nação. Leio uma estorinha contada por Rubem Alves que ilustra bem o meu pensamento acerca do tema.

Era uma vez um galo. Todas as manhãs, bem cedinho, ele se levantava, subia no lugar mais alto, abria o bico e cantava para fazer o sol nascer. Pouco depois o sol aparecia. O galo se orgulhava disso e dizia para todo o galinheiro que ele tinha a arte de fazer o sol nascer. Todos o respeitavam, apesar das oposições, por este poder extraordinário. Foi sempre assim, passando do galo-avô para o galo-pai e agora o galo-filho. Todos cuidavam para que o galo não parasse de cantar, pois se isso acontecesse, poderia não amanhecer. O galo se orgulhava deste dom e, cada vez mais, se tornava arrogante e vaidoso. Certa manhã ele perdeu a hora e não conseguiu acordar. Todos no galinheiro comentavam que o sol nascera sem o galo e este, vendo a grande bola no céu, não podia acreditar que o sol nasceria mesmo sem o seu canto. Envergonhado, ouviu os bichos alegres e confiantes que, independente do galo, o sol nasce.

Há pessoas que se sentem e agem como o galo! Procuram convencer de sua moral ilibada, se mostram humildes, mas o fazem para esconderem sua ganância de poder. Aliás, a falsa humildade, a ingratidão e a crueldade são os três filhos mais mimados de um soberbo. 

Ingratidão é o sentimento de quem se acha merecedor do que acumula. Se não há ser superior, a quem ele deve agradecer?  O “Dom Quixote” diria que o inferno está lotado de ingratos. A Falsa humildade, pela mesma forma, faz com que pessoas se mostrem humildes, se coloquem a favor dos mais desfavorecidos, os pobres, com o objetivo de conquistar sua confiança e sua cega fidelidade. A humildade, para ele, é só uma técnica para ganhar um determinado público. A crueldade é fruto da soberba. Transforma a ignorância em sabedoria. Faz um analfabeto político defender, nas redes sociais, os assuntos que ele mesmo ignora e com o objetivo claro de irritar aqueles que prezam pelo bom andamento da justiça e da paz social; aconselha aquilo que desconhece e quando não tem argumentos diz: “vai pesquisar e estudar para ver como estou certo”. Incapaz de enxergar a si próprio, age fora da razão. Dizia certo pensador: “os olhos não veem quando a mente é cega”. 

A soberba ganha proporções gigantescas no campo religioso, pois ela se veste de santa e perfeita. Vaidosa, distorce a verdade da Bíblia e se serve da fé ingênua a fim de convencer acerca de sua superioridade. A Palavra de Deus nos atenta para isso. Para o salmista a soberba nos envolve e nos adorna com um colar (Sl 73,6) e nos Provérbios, os sábios disseram que ela antecipa a ruína (Pv 16,18a). Quem coloca sua confiança nos soberbos dificilmente retorna para os caminhos retos. Só Deus resiste aos soberbos e eleva os humildes (1Pe 5,5). Jesus se opôs à soberba chamando políticos, como Herodes, de raposa (Lc 13,32) e religiosos, como fariseus e escribas, de hipócritas: “são semelhantes aos sepulcros caiados, por fora são formosos, mas por dentro são podres e imundos. Por fora, parecem justos às pessoas, mas por dentro são hipócritas e iníquos” (Mt 23,27-28).    

Gratidão, humildade e respeito são atitudes fundamentais para vencer a soberba. A gratidão nos faz questionar nosso narcisismo e nossa ideia de superioridade. A humildade verdadeira não se sujeita à perversão e à maneira de levar vantagem em tudo. O sábio é humilde de espírito, ele obterá honra (Pv 29,23). O respeito se sobrepõe à crueldade! Respeito não é sinônimo de submissão, permite aceitar o que é bom e recusar os ídolos que se colocam aos idiotas que desejam se igualar a eles. Nietzsche nos aconselha a não nos inflar. Assim como um balão cheio, basta uma alfinetada para nos estourar. 

José Neivaldo de Souza é teólogo e psicanalista. Neivaldo.js@gmail.com