Ambição: virtude ou desastre?

01 de Febrero de 2019

[Por: José Neivaldo de Souza]




As tragédias ambientais destes últimos anos, principalmente aquelas relacionadas às barragens de rejeitos de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, têm me levado a pensar no paradoxo da ambição humana. De um lado, ela busca o sucesso, a autossuperação e o bem-viver, virtude comum a todos os seres humanos; do outro lado, ela almeja o poder, a riqueza e a glória, o que traz desiquilíbrio à natureza e a todos os seres vivos. É importante uma reflexão que analise o conceito em suas contradições situando-o no campo da ética. 

 

A psicanálise, ao tratar do aspecto inconsciente do desejo, se abre à percepção de que o sujeito, a um só tempo, é pulsão de vida e de morte. É nesta perspectiva que a ambição será abordada, já que ela, em nosso entendimento, é desejo. Desejamos incessantemente “algo” que, uma vez alcançado, não nos torna menos ambiciosos ou não foi o suficiente para alimentar nossa falta, como bem disse Mahatma Gandhi.  

 

Este “algo” pode estar na dimensão do ser ou ter. No nível do ser, a ambição foca-se no crescimento da pessoa humana, principalmente no que diz respeito aos valores morais que visam a felicidade dos outros; no nível do ter o enfoque é outro e o objeto de desejo se limita ao poder e à riqueza que, geralmente tem como endereço um indivíduo ou um grupo. Neste viés, a vida do “eu” depende da morte do “outro”.

 

Mark Twain exaltou a ambição sem tratar de suas contradições. No melhor estilo norte-americano, aconselhou às pessoas a se afastarem dos que falam mal dos ambiciosos que, para ele, eram os melhores e maiores na vida. De que ambição ele falava? Ele legitimou algo que fora, por muito tempo, considerado pecado pelo cristianismo, pois se sustenta, de forma egoísta e gananciosa, às custas da fraqueza e da ignorância humana.      

 

São Tiago (3,16), em sua carta, escrevera que a ambição, assim como a inveja, traz confusão à fé levando as pessoas a uma orientação nociva para a vida. O apóstolo Paulo, na esteira de Tiago, escreveu a Timóteo (1Tm 6,9;10): “os que têm ambição pela riqueza caem em tentação, em armadilhas e em muitas vontades loucas e maldosas; atolam muitas pessoas na ruína e na completa desgraça...”. Provavelmente essas orientações vieram do Primeiro Testamento. O autor de Provérbios (1,19b) escreveu: “a ambição pelo lucro ilícito conduz o insensato” e o profeta Jeremias (22,17-19) denunciou a exploração e o lucro de poucos sobre o sofrimento dos trabalhadores: “tu não tens olhos nem coração, a não ser para a tua própria mesquinhez e ambição; para derramar sangue dos inocentes, oprimir os pobres e extorquir os trabalhadores”. 

 

A filosofia budista vê a ambição egoísta como um barco furado, necessariamente levará ao naufrágio. Quem adere a esta embarcação sabe dos riscos e, com isso, navega sem tranquilidade.   

 

A ambição, em sua forma mais astuciosa, quer satisfazer um desejo imediato sem pensar nas consequências futuras. Tal desejo não só escraviza, mas se torna escravo daquilo que ambiciona. Ainda que seja natural ao ser humano, a ambição é algo a ser controlado e equilibrado. Sem este controle, o ambicioso se mostra mais insatisfeito com o que não possui do que com o que tem, pois quanto mais ambição, mais desejo e, consequentemente mais falta. 

 

Pensando nas catástrofes provocadas pela ambição humana, podemos dizer que esta é, entre as paixões, a mais espoliadora dos fracos; a mais pretenciosa e astuta em seus objetivos de se dar bem às custas do outro: a natureza, os animais e as pessoas. O ex-presidente do Uruguai, conhecido como Pepe Mujica, observou que a crise ecológica é resultado da ambição humana; ela é, ao mesmo tempo, nosso triunfo e nossa derrota; vida e morte.   

 

Sem respeito aos trabalhadores e à natureza, o ambicioso busca o lucro demonstrando o quanto sua ambição, de orientação egoísta e gananciosa, visa mais o ter e não o ser. Em favor da própria vida, explora o próximo e devasta a criação, estabelecendo um sistema de aniquilação do outro como se este fosse o reino de Deus na terra.   

 

 

Imagem: https://oglobo.globo.com/brasil/numero-de-mortos-na-tragedia-de-brumadinho-sobe-para-60-23407252 

 

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