25 de Enero de 2019
[Por: Agenor Brighenti]
O desejo de uma profunda reforma na Igreja, através de uma “volta às fontes” (ad rimini fontes), havia começado ainda no séc. IX, logo depois da híbrida e contestada reforma litúrgica promovida pelo imperador Carlos Magno. O mesmo desejo ressurgiu no séc. XIII com as ordens mendicantes e ainda com mais força no séc. XVI, quase meio milênio mais tarde, com a Reforma protestante. Entretanto, a Igreja só faria uma verdadeira e profunda reforma, na segunda metade do século XX, com a realização do Concílio Vaticano II (1962-1965).
Como em relação a outros campos da renovação do Vaticano II, a nova compreensão do laicato foi o ponto de chegada de vários movimentos que o prepararam, desde a década de 1940. Entre eles está a valiosa contribuição dos movimentos bíblico, ecumênico, catequético, patrístico, litúrgico, dos padres operários, da nova teologia, da Ação Católica e também do movimento do laicato.
Em busca da emancipação do laicato
Uma primeira iniciativa de emancipação do laicato, deu-se na segunda metade do século XIX, com o Catolicismo Social, um movimento que promoveu a inserção dos cristãos na sociedade, através de obras de assistência e promoção humana. Frente à situação precária da classe trabalhadora, fruto do capitalismo selvagem nascente, surgiram escolas católicas, círculos operários e associações de caridade como a de São Vicente de Paula. O movimento culminou com a publicação da primeira encíclica social pelo Papa Leão XIII – a Rerum Novarum - em 1891. O Catolicismo Social tinha o apoio de alguns bispos e presbíteros, mas em grande medida, foi um movimento de leigos, em especial, de operários da indústria nascente. Entretanto, embora fosse portador de uma forte crítica social, o movimento não fazia nenhum questionamento à configuração da Igreja em duas classes de cristãos – clero e leigos.
Na sequência do Catolicismo Social, uma segunda iniciativa importante que também iria contribuir com a emancipação do laicato, foi o movimento da Ação Católica. Ele começou no pontificado de Pio X como “Ação Católica geral”, atrelada à mentalidade de cristandade, restrita ao âmbito da piedade e da paróquia, assim como submissa ao clero. A segunda fase é inaugurada com a criação da “Ação Católica especializada” pelo padre belga J. Cardijn, no pontificado de Pio XI. O movimento não mais estará confinada ao interior da Igreja, mas inserido nos diferentes “meios específicos de vida” dos jovens – os meios operário, estudantil e agrário. Agora, os jovens são enviados para fora da Igreja, a “cristianizar os ambientes”, para além do espaço religioso.
Da colaboração à cooperação dos leigos com o clero
Os leigos e leigas da Ação Católica, enviados a “cristianizar os ambientes”, passam a receber um “mandato” da hierarquia, pois se compreende que sua missão é de “participação” no “apostolado hierárquico” da Igreja. Justifica o Papa Pio XI, que “só a Igreja recebeu o mandato e a missão de intervir no mundo” e, por isso, “a hierarquia católica é a única autorizada a dar mandatos e diretrizes”. Anos mais tarde, o Papa Pio XII dará um passo a mais na emancipação do laicato. Em lugar de “participação” dos leigos no ministério hierárquico, ele vai falar de “cooperação”, de uma “delegação de poder”, o que confere ao apostolado do laicato um caráter “público e oficial”. Com isso, embora o Papa frise que “o apostolado dos leigos não significa o acesso à hierarquia e ao poder na Igreja”, entretanto, na medida em que o clero não mais preside a Ação Católica, mas apenas a acompanha como “assistente eclesiástico”, se reconhece que os leigos não só “pertencem” à Igreja, como “são” Igreja.
A superação do binômio clero-leigos
É a partir da década de 1950 que a teologia do laicato vai dar um salto qualitativo, rompendo com o binômio clero-leigos e contribuindo para a configuração da Igreja na perspectiva de um novo binômio – comunidade-ministérios. O avanço deveu-se muito aos jovens da Ação Católica, ou seja, à militância dos próprios leigos. Por ocasião do II Congresso Mundial da Ação Católica, o Papa Pio XII afirmaria em seu discurso, que o movimento “tem o mandato da hierarquia, mas o clero não tem o monopólio do apostolado livre”. Com isso, do ponto de vista eclesiológico, se continua identificando a Igreja com a hierarquia, mas na prática pastoral, cada vez mais os leigos vão se fazendo Igreja e questionando a configuração desta em duas classes de cristãos.
Na década de 1960, os questionamentos dos leigos da Ação Católica desembocariam num confronto com o clero, em especial com os bispos, gerando uma profunda crise no movimento e sua posterior dissolução. Entretanto, sua contribuição não estava perdida, pois seus frutos seriam acolhidos pelo Concílio Vaticano II. Muito da nova teologia do laicato, gestada pelas práticas dos próprios leigos e leigas, estava recolhida nas obras pioneiras do teólogo Y. Congar e, do fundador da JOC, J. Cardijn. Ambos participariam do Concílio e fariam ecoar na aula conciliar a voz do movimento leigo: a identidade e missão do laicato não é derivada da hierarquia, pois se funda no sacramento do batismo, de onde brotam todos os ministérios na Igreja, dado que o Povo de Deus é todo ele um povo profético, sacerdotal e régio. Por isso, não há duas classes de cristãos - clero-leigos – mas um único gênero de fiéis, que conforma “uma Igreja toda ela ministerial”.
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