Ao direito de nascer o renascer

03 de Enero de 2019

[Por: José Neivaldo de Souza]




“A Falsa fé é a causa principal da maioria de nossas infelicidades”

Leon Tolstoi.

 

O pensamento de Tolstoi faz pensar! Certa vez, um homem, angustiado com a situação de injustiça em sua sociedade, e atordoado por constantes pesadelos, mal conseguia dormir e descansar. Era uma pessoa importante na política e na liderança religiosa do seu povo. Numa dessas noites, de insônia, começou a se questionar e a ver que algumas coisas não faziam mais sentido em sua vida. 

 

Abriu os olhos e viu governantes enriquecerem sob um pesado sistema de tributos e impostos; viu o incentivo econômico aos grandes produtores rurais que exploravam o trabalho do pequeno camponês, deixando-o em situação de escravo. Muitos perdiam suas terras para os latifúndios. Viu sua espiritualidade instrumentalizada em favor do poder e da riqueza. A religião tornara-se um mercado, onde se comprava e vendia expulsões de demônios e bênçãos de prosperidade. Ela servia ao lucro. O seu Deus, temido acima de tudo e todos, tinha a imagem de um supremo juiz que determinava quem tinha direito a viver e morrer. Um Deus adorado às custas da exploração dos pobres. Estes nada mais possuíam senão a força de trabalho e se viam forçados a vendê-la em nome da sobrevivência. O seu pequeno país batia continência para o grande Império que, ao impor uma cultura das armas e do dinheiro, ameaçava a democracia e a liberdade de expressão. 

 

Este homem de quem eu falo é Nicodemos, uma autoridade judaica na época de Jesus. Ao se sentir incomodado pela vida e os ensinamentos do Mestre, saiu à noite procurando o seu Senhor (Jo 3,1-22). Nicodemos era um dos que manipulava a Escritura e a Leis em favor da dominação judaico-romana na Palestina. Jesus pregava o Reino de Deus se opondo aos poderes políticos e religiosos, representados por Herodes, Pilatos, fariseus, saduceus e sacerdotes. A ética do Profeta de Nazaré provocara Nicodemos, mas ele, ao contrário de seus amigos, se deixou tocar pelo espírito do amor, acolhendo palavras de liberdade, fraternidade e igualdade, características do novo Reino.  

 

O velho Nicodemos aprendeu: “nascer de novo”, não é voltar ao ventre materno, mas compreender e viver a vontade do Pai que diz: “Misericórdia quero, não sacrifícios” (Mt 9,13a). Apesar de líder em Israel, ele se colocara no espírito do Mestre, isto é, no seu batismo, palavra que, no sentido teológico, quer dizer “salvo do afogamento”. Quem já passou pelo afogamento sabe o que significa nascer de novo. Nicodemos entendeu que o velho homem, carregado de falsas ideologias, devia ser afogado. Era preciso um novo respiro, daí a palavra espírito, para que a máxima: “a verdade vos libertará” (Jo 8,32b), não fosse só uma teoria para ilustrar discursos de preconceito e ódio em relação ao diferente. O poeta e contista Charles Bukowski diria que, neste sentido, podemos compreender o que significa viver dez ou quinze mil vidas. 

 

Olho para o Brasil e deparo com a mesma realidade da época de Jesus. Há pouco tomou posse o novo presidente da República (01/01/2018). Há milhares de pessoas atravessando a noite escura e apostando no novo governo como “salvador” de suas vidas. Há pesadelos que atordoam: como será o amanhã? Como Nicodemos, é preciso “nascer de novo”, deixar-se salvar pelo verdadeiro Senhor; é preciso ficar atentos às velhas estruturas que insistem em impor e manter a desigualdade entre as pessoas e a injustiça na distribuição de renda e de poder. Ainda que tristes, é preciso questionar a fé e perguntar se ela promove comunhão e vida. Lembrando as palavras do amigo e saudoso Rubem Alves: “Os que bebem juntos da mesma fonte de tristeza descobrem, surpresos, que a tristeza partilhada se transmuta em comunhão”. 

 

A poeta Cora Coralina encanta ao dizer de um espírito que, no meio da noite, ensina a iluminar o caminho e não desistir do amor; a renascer na luta e na renúncia à opressão; a acreditar nos valores humanos e enxergar um reino que visita a alma e renasce nos corações sensibilizados com a dor dos mais necessitados. É deste espírito que, no meio da noite, dizia Chico Xavier: faz renascer os mais sublimes sonhos para a humanidade. 

 

 

Imagem: http://reportecatolicolaico.com/2017/04/tienen-que-nacer-de-nuevo/ 

Procesar Pago
Compartir

debugger
0
0

CONTACTO

©2017 Amerindia - Todos los derechos reservados.