14 de Diciembre de 2018
[Por: Agenor Brighenti]
Na abordagem do laicato na Igreja e no mundo, antes de ver sua vocação e missão, começamos por ver sua situação. Já falamos de seu potencial pouco valorizado, tratado como cristãos de segunda categoria e do resgate de sua identidade pelo Concílio Vaticano II, no seio de uma Igreja, onde todos são sujeitos. Expressão da co-responsabilidade de todos os batizados, surgiram as assembleias e conselhos de pastoral em todos os níveis eclesiais, assim como as equipes de coordenação e os ministérios confiados aos leigos e leigas. Entretanto, nas últimas décadas, proporcionalmente ao gradativo distanciamento da renovação do Vaticano II e da tradição eclesial latino-americana, tivemos o retorno de uma Igreja-visibilidade e dos grandes templos, de eventos de massa em lugar de processos no seio de pequenas comunidades, com a volta do clericalismo, em detrimento de um laicato sujeito e corresponsável.
A grata surpresa de Aparecida
A Conferência de Aparecida (2007) desautorizou os segmentos da Igreja que estão “virando a página para trás” em relação à novação do Vaticano II e da tradição eclesial latino-americana. Dizem dos Bispos: “… tem nos faltado coragem, persistência e docilidade à graça, para levar adiante a renovação iniciada pelo Concílio Vaticano II, e impulsionada pelas anteriores Conferências Gerais e para assegurar o rosto latino-americano e caribenho de nossa Igreja” (100h). Prova disso, continuam, são “… algumas tentativas de voltar a uma eclesiologia e espiritualidade (e clericalismo) anteriores à renovação do Vaticano II” (100b). O Documento original de Aparecida nomeava também o clericalismo, que os censores curiais suprimiram do Documento oficial, mas que o Papa Francisco o reintroduz de maneira contundente na Evangelii Gaudium.
Desde o Sínodo dos Bispos de 1985, segmentos conservadores da Igreja vinham tentando fazer uma “reforma da reforma” do Vaticano II, reintroduzindo práticas da tradição tridentina, seja na liturgia e na doutrina, seja no exercício do ministério presbiteral e na ação pastoral, marcada por devocionismos e providencialismos. Daí a denuncia de Aparecida da volta a uma “eclesiologia” e “espiritualidade” anteriores à renovação do Vaticano II, assim como do “clericalismo”, que faz dos leigos e leigas, em lugar de sujeitos, objetos da pastoral, coadjuvantes do clero, em lugar de “protagonistas” na evangelização, como havia dito Santo Domingo.
Francisco, o Papa reformador
Oficialmente, o Papa Francisco pôs fim à “reforma da reforma” do Vaticano II, resgatando, com Aparecida, o Concílio e a tradição eclesial libertadora latino-americana. A Exortação Evangelii Gaudium é um dos documentos do magistério pontifício que melhor recolhe e relança as intuições básicas e os eixos fundamentais da renovação conciliar. O Papa reformador está tendo a firmeza de desautorizar explicitamente os nostálgicos de um passado sem retorno, inclusive cardeais. E no resgate da teologia do laicato oriunda do Vaticano II, tem sido um crítico contundente da volta do clericalismo. Em entrevista a um jornalista italiano, afirmou que “o clericalismo não tem nada a ver com cristianismo. Quando tenho na minha frente um clericalista, instintivamente me transformo num anticlerical”. Adverte que “na maioria dos casos, o clericalismo é uma tentação muito atual; trata-se de uma cumplicidade viciosa: o padre clericaliza o leigo e, o leigo, lhe pede o favor de o clericalizar, porque, no fundo, lhe é mais cômodo”. Para o Papa, "o fenômeno se explica, em grande parte, pela falta de maturidade e de liberdade cristã em parte do laicato".
No Brasil, falando aos Bispos do CELAM, o Papa Francisco pergunta: “nós, Pastores, Bispos e Presbíteros, temos consciência e convicção da missão dos fiéis leigos e lhes damos a liberdade para irem discernindo, de acordo com o seu caminho de discípulos, a missão que o Senhor lhes confia? Apoiamo-los e acompanhamos, superando qualquer tentação de manipulação ou indevida submissão? Estamos sempre abertos para nos deixarmos interpelar pela busca do bem da Igreja e pela sua missão no mundo?” Como real espaço do exercício da corresponsabilidade de todos os batizados na Igreja, o Papa recorda aos Bispos a importância dos conselhos: “os Conselhos paroquiais de Pastoral e de Assuntos Econômicos têm sido espaços reais para a participação laical na consulta, organização e planejamento pastoral? O bom funcionamento dos Conselhos é determinante. Acho que estamos muito atrasados nisso”.
Na superação do clericalismo, em vista de uma Igreja toda ela ministerial, o Papa alude ao lugar e ao papel das mulheres. Falando aos Bispos do CELAM no Rio de Janeiro, adverte: “não reduzamos o empenho das mulheres na Igreja; antes, pelo contrário, promovamos o seu papel ativo na comunidade eclesial. Se a Igreja perde as mulheres, na sua dimensão global e real, ela corre o risco da esterilidade”. Na Exortação Evangelii Gaudium, Francisco reconhece com alegria como “muitas mulheres partilham responsabilidades pastorais com os presbíteros, contribuem para acompanhamento de pessoas, de famílias e grupos, assim como enriquecem a reflexão teológica. Entretanto, é necessário ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja” (EG, 103). Superar o clericalismo, em relação às mulheres, equivale à Igreja despatriarcalizar-se.
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