14 de Noviembre de 2018
[Por: Agenor Brighenti]
Abordando a situação do laicato na Igreja e na sociedade, no artigo anterior destacamos seu potencial e suas qualidades: um gigante, mas adormecido e domesticado. O Concílio Vaticano II, em sua “volta às fontes” bíblicas e patrísticas, deu aos leigos e leigas plena cidadania na Igreja e os lançou numa missão profética no seio da sociedade autônoma. Só é bom cristão quem é também bom cidadão. Passados 50 anos da renovação conciliar, é oportuno perguntar como anda a caminhada do laicato, na Igreja e na sociedade.
Virando a página
O Concílio Vaticano II, sem romper com a Tradição, fez uma profunda reforma da Igreja, superando o posicionamento apologético da contra-Reforma tridentina. Foi a concretização de um desejo que vinha de longe, desde o século VIII (ad rimini fontes), passando por Francisco de Assis na virada do milênio e, por Lutero, no limiar da era moderna. O Vaticano II deveria ter acontecido em Trento, mas só veio a realizar-se 500 anos depois. E, ainda assim, para Y. Congar, a Igreja não estava preparada. Para ele, Concílio veio vinte anos antes da hora. Quem sabe muito mais, pois passados 50 anos, alguns segmentos da Igreja ainda não o acolheram e, pior, outros estão empenhados numa “reforma da reforma” do Vaticano II.
Página virada?
A Igreja, antes do Vaticano II, concebia os leigos e as leigas como coadjuvantes do clero e, depois do Concílio, passou a vê-los como sujeitos e protagonistas da evangelização. Dado que todos os ministérios na Igreja brotam do batismo, não há duas categorias de cristãos – clero e leigos, mas um único gênero - os batizados, em uma Igreja toda ela ministerial. Os ministros ordenados são membros do Povo de Deus, que presidem a Igreja, mas não a comandam, ao contrário, são ministérios a serviço dos leigos e leigas. Como diz o Vaticano II, há uma radical igualdade em dignidade de todos os ministérios na Igreja. Todos os batizados estão no mesmo nível e condição; a diferença é de dons e carismas (LG, Cap. II).
Consequentemente, segundo o Vaticano II, há uma co-responsabilidade de todos em tudo na Igreja. Juntamente com o clero, os leigos e leigas são sujeitos no discernimento, nas decisões, na execução e na avaliação, relativos à vida da comunidade eclesial como um todo. O discernimento se faz no diálogo e no debate; a tomada de decisões, através de assembleias, conselhos e equipes de coordenação; a execução, pela criação de serviços de pastoral, para dentro e para fora da Igreja; e, a avaliação, implica a partilha entre todos dos méritos das conquistas, bem como em assumir limites a serem corrigidos na projeção da ação futura. O serviço no seio da sociedade se faz pela pastoral social e, a participação dos cristãos, como cidadãos, se dá nas organizações da sociedade civil, sejam elas autônomas ou do poder público. Para isso, o planejamento participativo é um instrumento valioso, permitindo a participação dos leigos e leigas em uma pastoral orgânica e de conjunto.
Virando a página para trás
Na Igreja, caminhamos mais ou menos assim, até por volta do Sínodo de 1985, por ocasião da celebração dos 25 anos do Vaticano II. Nessa época, se começou a dizer: “o mundo mudou, não podemos continuar sendo os mesmos; é hora de virar a página”. Só que alguns segmentos importantes da Igreja começaram a virar a página para trás. É o início do largo processo de involução eclesial em relação à renovação do Vaticano II. A concepção da Igreja como “Povo de Deus” é preterida pela concepção da Igreja como “comunhão”, entendida de maneira vertical, comunhão com a hierarquia, dando margem à volta do clericalismo, que de fato voltou e com força. A inserção profética da Igreja na sociedade, gradativamente é eclipsada por uma suposta “nova evangelização”, nos moldes de uma Igreja auto-referencial em missão centrípeta, que consiste em sair para fora da Igreja para trazer de volta os católicos afastados para dentro dela. Neste modelo, o laicato volta a ser uma extensão do braço do clero, passando de sujeito a colaborador. O serviço ao mundo, através da pastoral social, que faz dos pobres sujeitos de uma sociedade inclusiva de todos, começa a ser substituída por obras assistenciais, fazendo do pobre um objeto de caridade. Os processos pastorais desencadeados a partir de pequenas comunidades, passam a ser substituídos por eventos pontuais, quando não de massa, em torno a devocionismos providencialistas. A liturgia, celebrada ao redor do altar por uma assembleia toda ela sacerdotal que o padre preside, volta a ser celebrada pelo “sacerdote celebrante”, distanciado da assembleia num presbitério elevado quando não cercado e animada por um “ministério do canto” que a assembleia escuta.
Vaticano II: batalha perdida ou esperança renovada?
Há três décadas, em grande medida, a Igreja está caminhando para trás. O Vaticano II está vivo, mas é brasa sob cinzas; mais resiste que avança. Aparecida e o pontificado de Francisco são um sopro, capaz de acender novamente o fogo do Espírito, presente na renovação conciliar. Vaticano II, uma batalha perdida ou esperança renovada? A canonização de João XXIII e de Paulo VI, os dois Papas do Concílio, assim como de Dom Romero, sinaliza para uma esperança renovada.
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