01 de Noviembre de 2018
[Por: José Neivaldo de Souza]
Há uma frase atribuída ao dramaturgo francês Paul Claudel que diz: “A mulher será sempre o perigo de todos os paraísos”. Várias coisas me chamaram atenção neste período de eleições, mas uma delas ficou fortemente marcada na memória do povo brasileiro: é o Movimento de Mulheres contra o Fascismo. Em todo mundo há movimentos de resistência a tudo aquilo que dissemina o machismo, a misoginia, a homofobia e o racismo. No Brasil esta reação tomou as ruas das capitais se opondo ao discurso de preconceito e ódio às minorias representado pelo candidato à presidência da república Jair Messias Bolsonaro.
Se analisarmos a situação da mulher brasileira veremos que há muito para conquistar. Não é vitimização! É questão de conquistas de direitos no mundo do trabalho e na vida familiar. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), as mulheres estão em desigualdade, em relação aos homens, no acesso a empregos de qualidade, de melhores salários e oportunidade de trabalho. Esta realidade atinge principalmente a população negra. Também a violência e o feminicídio, segundo os dados da Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social, é uma triste realidade, pois só em 2018 o número de vítimas aumentou assustadoramente. A voz destas mulheres ecoou nas vozes de milhares que saíram às ruas resistindo às formas de injustiça e desamor.
Não é de hoje que a mulher reivindica um lugar na sociedade e no mundo. A busca por sua inserção é histórica. A Grécia antiga, berço das democracias, se servia de uma estrutura de opressão. A sociedade se configurava de forma desigual. Escravos, crianças, estrangeiros e mulheres não eram contados entre os que exerciam os direitos civis, os homens livres ou cidadãos. Caracterizava, com isso, um grande obstáculo no desenvolvimento das liberdades e de virtudes como justiça e amor. Em relação mulher, se ela buscasse ser livre seria considerada fugitiva; se ousasse pensar seria revoltada. Com todos os obstáculos impostos à mulher, ainda assim ela teve seu papel na construção da sabedoria grega.
Com a democracia helênica nasce a Filosofia. Esta é bem acolhida entre os aristocratas preocupados com a ética, a justiça, a verdade e o amor. Sócrates foi fundamental neste diálogo fazendo entender que a ignorância, apesar de ser a maior inimiga da democracia, ela é o ponto de partida para toda sabedoria. O seu método além de relacionar consciência crítica e política, facilita a inserção do feminino numa cultura marcada pelo machismo e o racismo.
Sócrates resgata duas figuras importantes em sua vida: a mãe e uma sacerdotisa de Mantineia. Ao chamar de “maiêutica” o seu método filosófico, o mestre lembra de sua mãe, uma parteira que ajudava as mulheres a trazerem à luz o seu bebê. Como ela, Sócrates ajudava os interlocutores a trazer à luz novos conhecimentos. Em O Banquete de Platão, ao ouvir dos seus interlocutores sobre o que é amar, Sócrates expõe o que ouvira da vidente de Mantineia: o amor se apresenta em três etapas a caminho da Beleza. Primeiro: enquanto eros ele inicia seu trajeto na beleza dos corpos; seguindo o seu destino, o amor evolui se transformando em filos, na coragem de atuar em favor das amizades e da solidariedade aos que sofrem; por fim, o amor se funde à Beleza ideal, incompreensível aos sentidos e acessível ao espírito. Como saber em que estágio nos encontramos no amor e na busca da Beleza? Para Sócrates, é na dimensão do feminino que podemos nos enxergar e sentir que um novo ser é gerado em nós e nos desperta para a beleza do amor. Toda noção sobre o amor e justiça, no mundo ocidental, tem na base uma filosofia cujos ensinamentos se originam de uma parteira e uma vidente.
A imagem das mulheres, percorrendo as avenidas e praças, rejeitando toda espécie de preconceitos, na busca de uma nova sociedade, me faz pensar no lado “feminino” de Sócrates. Uma sabedoria que se impõe à idiotice de uma sociedade cujos homens, principalmente os que dominam pela força e pela lei, construída a seu favor, decidem tudo em relação aos mais fracos: mulheres, LGBTs, negros e índios. Li um pensamento, não sei onde, que dizia: “é preciso uma mulher sábia para dominar um idiota”. O movimento das “Mulheres contra Bolsonaro”, tenho certeza, trará à democracia um novo amanhecer de tolerância e respeito às liberdades. Paul Claudel estava certo! A mulher é, de fato, “o perigo” de todos os paraísos, principalmente daqueles que tentam calar o amor.
Imagem: https://www.americateve.com/brasil-corte-prohibe-votar-quienes-no-registraron-huellas-n1004252
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