24 de Octubre de 2018
[Por: José Neivaldo de Souza]
Gosto do poeta e ensaísta francês Paul Valéry. Em sua obra Maus Pensamentos & Outros, ele disse: “O grande triunfo do adversário é fazer você acreditar naquilo que ele diz de você”. Pergunto: quem é meu adversário? o problema é mais complexo. O termo pode ser entendido como inimigo, mas também como competidor, depende da maneira como é abordado.
Há maneiras de não “acreditar naquilo que o adversário diz de você”, uma delas é pensá-lo, não só sob o foco político-religioso, a partir de fora, como ameaça aos seus pensamentos e sua sobrevivência neste mundo; outra é pensa-lo a partir de outro lugar, mais profundo, do qual depende todas as relações. Um lugar essencial, invisível aos olhos, inaudível aos ouvidos onde habita o reino de Deus. Que lugar é este do qual depende toda a existência?
A religião e os impérios deram um tom social ao conceito “adversário” entendendo-o como contendor, o inimigo fora de nós. Este foco parece persistir quando se trata de posições políticas, é constrangedor ao derrotado no pleito eleitoral ter que apertar a mão do “beligerante” e parabenizá-lo pela vitória. Desta ideia nascem os fundamentalismos e todo tipo de exclusão.
Jesus, o Mestre, ao ser interrogado pelos fariseus, sobre a vinda do Reino de Deus, ele apontou para outro lugar: o coração humano. Inaugurou uma espiritualidade que nasce do interior das pessoas: “o reino de Deus não vem com aparência externa; nem dirão: é este ou aquele, porque o reino de Deus está entre vocês” (Lc 17, 20-21). A Bíblia Almeida Atualizada traduziu: “o reino de Deus está dentro de vocês”. As duas traduções estão corretas devido ao enforque que se quer dar. A primeira é cristocêntrica, tem a centralidade em Cristo, o reino de Deus em pessoa; nele, se cumpre a esperança do Salmista: “Amor e verdade se encontram, justiça e paz se abraçam” (Sl 85,11). A segunda tradução, mais antropológica, aponta para o seguidor de Cristo que, sem hipocrisia, encarna o ensino e a missão do Mestre. São Paulo escreveu aos Gálatas: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2, 20).
Assim como o reino de Deus, também o adversário se encontra no interior da pessoa. Sidarta Gautama, o Buda, havia ensinado que o maior adversário do ser humano é a mente. Ela maquina as perversidades e as coloca em prática. É preciso libertar a mente dos julgamentos, das malícias, das calúnias e de tudo o que violenta criação, ainda que esta atitude seja motivo de discórdia na própria família (Mt 10,25) e na sociedade. Os maiores inimigos, no reino interior, são identificados: é a ignorância e o ódio.
É preciso sabedoria para derrotar a ignorância. Esta é, muitas vezes, utilizada a favor de uma cultura de morte. O escravo da própria tolice anuncia, de forma escancarada, a sua derrota. É preciso controle emocional a fim de derrotar o ódio. O romancista Milan Kundera de A Insustentável Leveza do Ser diz que “odiar” é uma atitude que liga alguém ao seu inimigo, seja interno ou externo. Jesus ensinou a quebrar este elo: “Digo a vocês que me ouvem: amem os seus inimigos, façam o bem aos que os odeiam, abençoem os que os amaldiçoam, orem por aqueles que os maltratam” (Lc 6,27-28).
É bom que outro mundo seja revelado a partir do pensamento humano, ainda que a batalha interior seja dura e difícil. Não é recomendável que o vitorioso se orgulhe de sua batalha, mas que reconheça a força do adversário. Voltando à pergunta: quem é meu adversário? Minha resposta, enquanto teólogo, é muito simples. Quando se trata do outro em relação a mim, é melhor vê-lo como concorrente, competitivo. Não devo assassiná-lo por pensar e agir diferente de mim. Pelo contrário, a resistência dele me fortalece e encoraja. Neste caso, eis a melhor maneira de exercer o “amor ao inimigo”. Quando se trata de tudo aquilo que ameaça o reino de Deus de se cumprir no coração humano então é melhor entendê-lo como um inimigo, a ser expulso.
Neste momento, tão difícil em meu país, em que tratamos a política como um campo minado onde adversários políticos se tratam como inimigos, o que fica é uma prece: que a minha vitória não humilhe o outro, mas me faça orgulhar de minhas forças e dê ao outro mais vontade de lutar, pois como diz a sabedoria judaica: “é fácil cultivar um inimigo, difícil é adquirir um amigo”.
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