16 de Agosto de 2018
[José Neivaldo de Souza]
“Vejo as pessoas religiosas fecharem os olhos para orar. Elas creem que, para se ver Deus, é preciso não ver o mundo. Elas não sabem que a beleza da natureza é o espelho onde Deus se contempla” (Rubem Alves)
O filósofo israelita Martin Buber, em sua obra Eu e tu, observou que é no face a face com o “tu” que a pessoa se torna “eu”. Nesta perspectiva, podemos entender a vida como encontro. Mas, como dar sentido a este encontro com o outro? Eis uma questão a ser pensada neste momento em que o descrédito nas instituições acentua o crédito nos indivíduos.
No encontro há convergências, mas também divergências. É inevitável que no encontro haja confronto. Em busca de uma ética do bem-viver, minha reflexão aponta para a relação Eu-Outro. O “Eu” apesar de estar no centro e ser sujeito deste encontro, ele nada é sem o “Outro”. Enquanto teólogo cristão, considero uma realidade que se impõe e que, simultaneamente, é interiorizada e exteriorizada; uma realidade que me provoca a compreendê-la em seu mistério e revelação. Esta realidade é o “Outro”. O “O” maiúsculo aqui não é para diferenciar o grau de importância e poder diante do “outro” com “o” minúsculo, mas para dar maior credibilidade a esta realidade que se nos apresenta como exterior e interior: Deus, o próximo, si mesmo e a natureza.
Diferente de algumas teologias, penso que não é Deus e nem Jesus Cristo o centro do encontro, mas o “Eu”, sujeito de uma ética que, a um só tempo, se exterioriza e interioriza em favor da vida. Que vida? Faço uma distinção: viver é uma coisa e existir é outra. Uma pedra existe. Viver exige fé, razão, consciência crítica em relação ao ambiente em que está. Não basta respiração, é preciso inspiração.
O encontro com Deus exige fé, mas é importante que a consciência se dirija, de forma crítica, a este “Outro” ou este “Tu” que, antes que eu o incluísse neste encontro, ele me incluiu, como escreveu o apóstolo João: “Não fostes vós que me escolhestes; ao contrário, Eu vos escolhi a vós e vos designei para irdes e dardes fruto, e fruto que permaneça” (Jo 15,16)
Qual Deus nos é apresentado? Sabemos que há infinitas imagens de Deus e, conforme os interesses individuais, elas podem se tornar mercadorias a serem negociadas, favorecendo a poucos em detrimento de muitos. Friedrich Nietzsche estava certo. Dizia que o ser humano, em seu orgulho e na ânsia de poder e riqueza, cria um Deus à sua imagem e semelhança e se alimenta dele, isto é, se alimenta do seu próprio orgulho e poder. Este Deus, nada mais é senão o “Eu” projetado que, apesar de se relacionar com o mistério, ignora a revelação do amor, escancarada na vida e obra de Jesus Cristo. Jesus exterioriza Deus na mesma medida em que o interioriza, possibilitando um Reino de justiça e fraternidade.
Este tipo de comportamento, em que o “Eu” produz a imagem de Deus a seu bel-prazer, ignorando o amor, abre espaço para a adoção de um Deus violento. Escreveu o filósofo espanhol Juan Antônio Estrada em Imagens de Deus: “a violência religiosa é particularmente perigosa porque nela converge a pretensão de verdade absoluta já que se age em nome de Deus, e pela pressão de uma intensidade emocional dificilmente comparável com outras instâncias (feita exceção, talvez, para o nacionalismo).
É a partir da experiência de Jesus e do testemunho de seus seguidores que eu posso compreender a verdade; entender o amor aos inimigos, a renuncia à violência e como ser filho de Deus. Quem me apresenta Deus é Jesus Cristo, é nele que se manifesta o rosto divino. Em Jesus, Deus “é o que é”, não se confunde com a criatura. O teólogo belga Adolphe Gesché em O Sentido acentuou esta importância. Devemos deixar Deus “ser o que é” (Javé) e não um “ídolo que eu teria modelado ao sabor de minhas necessidades ou de meus fantasmas, e nele eu estaria apenas me encontrando e me servindo a mim mesmo”. Certo ele! Deus é o “Outro” necessário à compreensão de mim mesmo e do próximo, e da natureza.
Deus se deu a conhecer por meio de Jesus que, em sua missão, distinguiu o verdadeiro amor do qual depende a verdade e o sentido da vida humana. É hipocrisia dizer que ama a Deus que não vê e odeia o próximo que vê (1 Jo 4,20). Não posso fazer imagens de Deus, mas aprender com o Mestre que ensinou que o “Eu” não tem sentido sem o amparo e o amor “Daquele que é”. Este encontro é essencial à vida.
Imagem: http://www.traslamascara.com/el-hombre-esta-escondido-en-su-lengua/manos-oreja-boca/
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