Da fé no mercado ao mercado da fé

02 de Agosto de 2018

[Por: José Neivaldo de Souza]




Não é raro pregadores, pastores e sacerdotes, explorarem o campo da fé para a implantação de uma ideologia voltada para o mercado. Esta postura revela o tipo de salvação de base imediatista e individual. Cultiva-se a ideia: “eu quero, eu posso” e, custe o que custar, este tipo de pensamento aposta na ideia de que oferta é infinita frente às demandas. O “Quero, logo posso”, torna-se a expressão máxima do mercado na fé religiosa. A noção de que há um Deus atento e pronto a suprir todas as carências gera uma teologia cuja hermenêutica aponta para a identificação da graça como produto. Na religião do mercado não se questiona os textos sagrados que tratam de apontar a ambição dos ricos, acumuladores e opressores, como pecadores (Mt 19,24; Mc 10,25 e Lc 18,25)”. 

 

Na religião do mercado, a oferta das promessas é infinita, mas é preciso crer incondicionalmente. Porém este “incondicional” é relativo na medida em que uma das condições é a disposição para a barganha. A maioria das promessas se realizam como prosperidade terrena: segurança, saúde e riqueza. É certeza que as promessas divinas se realizam, pois se não se cumprirem, logo não são de Deus ou é por conta do pecado. A fé individual é “sine qua non” para as realizações das promessas e a salvação. 

 

Neste tipo de fé, a “oferta” divina é incomensurável, assim como a “oferta” num mercado liquido-moderno, como diria Bauman. Neste tipo de religião há uma teologia que adapta a graça e os testemunhos bíblicos aos apelos dos fiéis. Numa sociedade do luxo e do consumo, o fiel, aliciado pelo mercado, faz do supérfluo uma necessidade e, com isso, cultivando muitas vezes a ambição, o que na teologia tradicional é um dos pecados capitais.  

 

O que é a graça divina? Como interpretar a ação de Deus testemunhada na Bíblia sagrada? No tipo de religião a graça é entendida como pagamento pela fidelidade do crente. Esta atitude está ligada a uma certeza que chega muitas vezes pelas pregações de uma liderança que se diz sabedora de todos os mistérios de Deus e do diabo. Z. Bauman observa que tal interpretação, ligada aos interesses individuais, é tão excludente como é o “livre-comércio”.  

 

Este tipo de fé, justificada por uma teologia da “prosperidade”, é liberal no discurso, pois se insere na realidade mercadológica sem questioná-la, mas, é também conservadora no que diz respeito aos rituais de exorcismos e libações. Paulina Chiziane, escritora moçambicana, relata os abusos de muitos missionários cristãos que, em nome de Deus, destroem a fé simples e solidaria do seu povo. Eles chegam, segundo ela, como se Deus, Jesus Cristo, a fé e a Bíblia fossem “propriedade privada”. São crentes obcecados que querem salvar a África do diabo e, sem diálogo com a tradição religiosa e cultural, impõem uma crença de luz à crença que eles chamam de trevas. Para ela, não são poucos os africanos que, alienados nesta nova fé, entregam tudo: “salários, casas, carros, terras, propriedades. Os chefes das igrejas enriquecem, os crentes empobrecem e se transformam em mendigos, dependentes”1.

 

O problema do mercado sempre esteve presente na vida cristã, porém numa comunidade que considera o amor nas relações humanas e não-humanas, a questão do dinheiro torna-se perigosa. O que deveria ser usado para favorecer a vida, favorece a morte. Jesus havia denunciado este deus: “Ninguém pode servir a dois senhores, ou odiará um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24). O desafio cristão se impõe hoje nesta realidade. Diante da ambição, os verdadeiros cristãos aderem a uma teologia mais crítica capaz de pensar e viver uma espiritualidade que tenha na base a comunhão e não a concorrência. 

 

Nota

 

Paulina Chiziane, “Religião: da opressão à libertação” in SOTER, Religião, ética e política. São Paulo: Paulinas, 2018, p. 84.

 

 

Imagem: https://sabialibertad.org/falsa-teologia-de-la-prosperidad/ 

 

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