Democracia e corrupção

26 de Julio de 2018

[Por: José Neivaldo de Souza]




Hoje se fala muito em corrupção, mas o que está por traz desta onda que, através do significante: “combate à corrupção”, procura se impor como a melhor maneira de se evitar a barbárie? O que é barbárie numa sociedade “pós-democrática” cuja cosmovisão relativiza tudo o que não se submete à lei do mercado e da livre concorrência? São perguntas que nos fazem refletir e buscar respostas diferentes ou opostas àquelas da grande mídia atrelada ao poder privado e neoliberal. 

 

Vivemos numa sociedade, denominada por alguns pensadores, “pós democrática”. Quando se fala de corrupção, é bom alertar para o fato de que ela está ligada à aproximação ou à identificação do poder econômico ao poder político; do interesse privado ao público. O combate à corrupção, nesta sociedade, não tem interesse de estabelecer a igualdade ou diminuir a sensação de corrupção, mas serve a um discurso moralista cujo objetivo é manter a corrupção real que tem na raíz o poder privado e econômico. Em favor deste poder, direitos garantidos por lei são derrubados, haja vista a reforma trabalhista e a articulação para a reforma da previdência. 

 

O discurso do “combate à corrupção”, divulgado pela grande mídia, nada mais é do que uma mercadoria a ser apresentada e consumida por uma população indignada. A maioria das pessoas que gravaram para a Rede Globo sobre “o Brasil que eu quero” menciona um Brasil sem corrupção. Tal mercadoria tem um objetivo político e quer autorizar a corrupção dos direitos que, de certa forma, são entendidos por uma determinada elite, como entraves a um sistema voltado para o lucro. 

 

O Estado pós-democrático se opõe ao Estado Democrático de Direito. Mas, que diferença há entre Estado de Direito e Estado Democrático de Direito? O Estado de Direito tem por objetivo proteger os direitos humanos, porém ele se caracteriza por seus limites em relação à constituição de seu país. É um modelo de organização social cujo poder deve ser cerceado pelo direito. A liberdade é um valor fundamental, por exemplo, a ser garantida por lei. Também, no que diz respeito às decisões governamentais, estas não podem violar as leis ou “o Princípio de Legalidade”. Desta forma, o Estado de Direito deveria proteger os cidadãos de todo absolutismo e de toda ação ilimitada do poder. Porém, nem sempre este objetivo fora atingido, pois o Estado que, teoricamente, tinha noção dos seus limites, muitas vezes, na prática, não os reconhecia. No Brasil a ditatura militar é um exemplo a ser lembrado. 

 

Ao simples e frágil Estado de Direito acrescentou-se o Estado Democrático de Direito. Um modelo mais inflexível ao autoritarismo e à opressão; capaz de assegurar, ao Estado, a democracia e valores referentes à igualdade e à justiça social. Falo de “verdadeira” democracia sabendo que nem sempre uma “maioria” tem ideias democráticas, apesar de em nome dela, e do “combate à corrupção”, incentivar e reivindicar governos totalitários. Alguns candidatos à presidência da República, em nome da democracia e do combate à corrupção, propõem a moralização da sociedade. Mas, por traz de seu discurso estão ideias fascistas, autoritárias e voltadas para os interesses de uma elite endinheirada.   

 

Rubens R. R. Casara, juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em seu artigo: “Estado Democrático de Direito e corrupção” apresentado no Congresso da SOTER (2018), observa que só há verdadeira democracia “se existir também uma correlata cultura do respeito aos direitos e garantias fundamentais. Uma cultura de respeito a valores que não podem ser tratados como meras mercadorias”. Mas, também aqui, há espaço para o abuso de poder na medida em que conquistas políticas são violadas ou corrompidas. Neste espaço, declara-se a morte do Estado Democrático de Direito e o surgimento de um novo Estado que, Rubens Casara chama de: “Estado Pós-democrático”. Este Estado, segundo ele, é um fenômeno global que surge das necessidades capitalistas: circulação do capital e crescimento do lucro. Em outras palavras, os “limites” do Estado podem ser negociados, assim como qualquer mercadoria. Neste estágio capitalista não há necessidade democracia.  

 

O combate à corrupção, enquanto mercadoria a ser consumida neste grande mercado, não é o suficiente para evitar a barbárie. Na pós-democracia parece que a barbárie está mais presente do que o Estado democrático de Direito. 

 

 

Imagem: https://sites.google.com/a/dgb.email/102valeriolucaskarlaareli/obstaculos-de-la-democracia 

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