19 de Julio de 2018
[Por: José Neivaldo de Souza]
Foi de grande importância o Congresso Internacional de Teologia e Ciência da Religião realizado na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (julho de 2018). Sob o tema: “Religião, Ética e Política” ele nos levou a refletir sobre os valores comuns à fé e à cidadania. Em outras palavras, nos incitou a repensar uma ética capaz de criar, em todas as pessoas, “corações sensíveis, justos, transparentes e verdadeiros” (Leonardo Boff).
Alguns pensadores, concordo com eles, nos contextualizam na pós-modernidade, mas, quais são as características desta sociedade pós-moderna e como tratar de uma ética que busque equilibrar valores religiosos e políticos?
O mundo pós-moderno trouxe uma ética voltada para o bem-estar individual; ela se expande no espaço mercadológico e incentiva a concorrência em detrimento da solidariedade e da justa medida. O bem viver, subjugado ao lucro no grande mercado, transforma-se em poder de compra e posse sobre coisas e pessoas. Nesta direção, cultiva-se a filosofia da “vantagem”. Não nos assusta que 80% da população viva em extrema dificuldade financeira e 20% desta mesma população acumule lucro sobre lucro. Nesta realidade a ambição se sobrepõe à solidariedade e a corrupção à equidade. O filósofo Bertrand Russell sabia disso ao dizer que a ambição é nociva à liberdade e à dignidade humana. Este tipo de ética, articulada a partir do mercado e dos interesses individuais, mostra seus sinais na religião e na política.
A religião, sob a marca do fundamentalismo, se impõe como “a única” capaz de salvar. Salvação que deixa de ser universal e coletiva para se tornar individual e privada. A professora Magali do Nascimento Cunha em sua análise sobre a “nova configuração evangélica” observa que os cristãos são consolidados como um seguimento do mercado. Eles se sujeitam à lei da oferta de produtos e serviços a fim de suprir suas necessidades religiosas. O teólogo Stephen John Pope, nesta linha, concorda que este tipo de postura produz mais segregação que interação, mais alienação que consciência comunitária.
De fato, cada indivíduo, segundo sua demanda, busca numa ou noutra confissão religiosa, “levar vantagem” em relação à própria salvação. A religião cristã cuja finalidade é ser caminho, verdade e vida, sob esta égide, acaba por se transformar em ilusão, como pensou Freud ou em alienação, como argumentou Karl Marx. Marx, em O Capital, entendia que o capitalista vive pela cobiça. Em função do acúmulo de capital ele economiza na comida, na bebida, nas leituras, no amor, no entretenimento, etc. Quanto menos ele é, muito mais ele tem. O Deus dos cristãos, tragado pelo deus do mercado, não tem o que fazer diante da cobiça e da intolerância dos indivíduos.
Este tipo de fé invoca uma imagem autoritária de Deus e da igreja e serve para justificar o totalitarismo político, também submisso ao individualismo, ao mercado e ao lucro. A política deveria ser, na concepção de Aristóteles, a arte de criar e cultivar bons relacionamentos entre os cidadãos. O ser humano, enquanto animal político, vive desta necessidade de produzir o bem comum. Por conta daqueles que fazem do poder uma oportunidade de vantagens, a política é vista com desconfiança. Platão, no século IV a. C. já temia que os bons cidadãos, ao se desencantarem com a política, fossem castigados por líderes ambiciosos. A Carta de São Tiago (3,16) servia de alerta: "Pois onde há inveja e ambição egoísta, aí há confusão e toda espécie de males".
A harmonia e a paz social não podem ser usurpadas. O filósofo Fernando Savater, em Política para meu Filho, escreveu: “a sociedade nos serve, mas também temos de servi-la; está a meu serviço, mas apenas na medida em que eu me resigno a me colocar a serviço dela. Cada uma das vantagens que oferece (proteção, auxílio, companhia, informação, entretenimento, etc.) é acompanhada de limitações, de instruções e exigências, de regras de uso; de imposições”.
Refletir sobre uma base ética que considere o cuidado, invés da ambição, pode ajudar na formação de uma consciência mais crítica em relação ao mercado da religião e da política. Stephen John Pope escreve: “A Igreja e outras organizações da sociedade civil devem fazer o que puderem para responsabilizar o Estado quando seus agentes falham em proteger os direitos humanos de qualquer pessoa, e particularmente os direitos daqueles que pertencem a grupos minoritários”. Nestes grupos minoritários eu encaixo todos aqueles que estão à margem da dignidade humana, da solidariedade e da justiça social e que, por direito divino e humano, merecem o bem viver.
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