12 de Julio de 2018
[Por: Agenor Brighenti]
Tal como vimos em artigos anteriores, dois modelos de pastoral precederam o Vaticano II - a pastoral de conservação (de cristandade) e a pastoral coletiva (de neocristandade). O Concílio superou ambos os modelos com a pastoral orgânica e de conjunto. Mas, a Igreja na América Latina não parou aí. Fazendo da renovação conciliar mais um ponto de partida do que um ponto de chegada, foi além deste modelo. Através de uma “recepção criativa” das intuições básicas e eixos fundamentais do Vaticano II, gestou um novo modelo de pastoral, que nas palavras de Puebla poderíamos denominar de “pastoral de comunhão e participação”.
Este novo modelo inaugura a tradição eclesial libertadora, que deu à Igreja na América Latina uma palavra própria e um rosto próprio, deixando de ser uma “igreja reflexo” da Igreja romana. Apesar de ser algo novo, entretanto, a tradição libertadora latino-americana não rompe com a tradição da Igreja. Ela é antes consequência e desdobramento da renovação conciliar em seu próprio contexto, marcado pela injustiça institucionalizada e a exclusão.
A comunidade eclesial como sujeito da ação
A pastoral de comunhão e participação busca fazer da comunidade eclesial sujeito da ação pastoral. Para isso, não só supera o binômio clero-leigos, como torna efetivo o binômio – comunidade-ministérios, através do protagonismo dos leigos, em especial, das mulheres, tal como acentuam Santo Domingo e Aparecida. Promove-se um laicato com “voz e vez”, ministérios próprios, com oportunidade de formação bíblica e teológico-pastoral, poder de decisão em conselhos e assembleias, bem na coordenação dos diferentes serviços pastorais.
Busca-se superar o centralismo da paróquia, através da organização da Igreja em pequenas comunidades, articuladas em rede, inseridas profeticamente no seio da sociedade. As denominadas comunidades eclesiais de base têm como alma a centralidade da Palavra, apoiada na leitura popular da Bíblia. São também comunidades de culto e de serviço, em perspectiva libertadora. No seio delas, há um esforço em criar uma Igreja com rosto próprio, encarnando na própria cultura os ritos e os símbolos da fé cristã. A liturgia é animada com cantos próprios.
Uma ação pastoral pensada
No seio da pastoral de comunhão e participação, assembleias, conselhos, reuniões, dias de estudo, cursos, etc. vão desenvolvendo uma reflexão teológica contextualizada, sobretudo uma espiritualidade de militância, colada à vida. Abre-se espaço para a reflexão e a ação das mulheres, assim como dos afro-americanos e indígenas, os quais, desde suas práticas, forjam uma releitura da Bíblia e das verdades de fé, fazendo da revelação Palavra de salvação “para nós hoje”, como diz o Concílio Vaticano II (GS 62).
A catequese privilegia a experiência e a inserção comunitária, num processo de educação permanente na fé. A liturgia faz interação do mistério pascal com a “paixão” do povo que, em seu rosto desfigurado, prolonga a paixão de Jesus Cristo no mundo. Na pregação e na meditação da Palavra em cultos dominicais sem padre, procura-se alimentar a esperança do povo, atualizando a revelação num contexto marcado pela exclusão. Desde a fé, forma-se igualmente a consciência cidadã, para que os membros das comunidades eclesiais, organizados como cidadãos, sejam protagonistas de um mundo solidário e inclusivo de todos, no seio da sociedade civil.
Uma ação em perspectiva libertadora
A pastoral de comunhão e participação se caracteriza também por uma ação sócio-transformadora, à luz da opção pelos pobres, fruto da consciência das causas estruturais da pobreza e da exclusão. O carácter libertador da ação deve-se à mudança de ótica em relação aos pobres. Em lugar de objetos da caridade alheia, eles passam a ser tomados como sujeitos de um mundo solidário e fraterno. Para isso, além de assumir sua causa, se assume igualmente seu lugar social e se dá ênfase na pastoral social, dada a precária situação em que vivem.
Consequentes com o Evangelho social, nascem serviços de pastoral com espiritualidade e ação específica, tais como a pastoral operária, a pastoral da terra, a pastoral da saúde e dos enfermos, dos direitos humanos, a pastoral da criança, do menor, da ecologia, da consciência negra e indígena, da mulher, etc. É a peregrinação das comunidades eclesiais na fé, fazendo a passagem de uma situação de cativeiro à libertação dos sinais de morte, que ferem a dignidade e a grandeza dos filhos de Deus e contradizem os ideais do Reino de Deus.
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