A pastoral orgânica e de conjunto – o Modelo de Igreja (modelos de pastoral em torno à renovação do Vaticano II – 6)

29 de Junio de 2018

[Por: Agenor Brighenti]




Vimos que o Vaticano II, ao reconciliar a Igreja com o mundo moderno, superou radicalmente os dois modelos de pastoral, então vigentes: a pastoral de conservação e a pastoral coletiva. Ambos eram tributários do período de cristandade e neocristiandade, respectivamente. No artigo anterior, caracterizamos o novo modelo de pastoral, que superou os dois anteriores – a pastoral orgânica e de conjunto, abordando-o enquanto “modelo de ação”. Vejamos, agora, o modelo de Igreja a ele subjacente. 

 

A Igreja como Povo de Deus, que peregrina na história

 

Os principais elementos do modelo de Igreja do Concílio Vaticano II estão presentes na Lumen Gentium e na Gaudium et Spes. A primeira, a Constituição sobre a Igreja, a concebe como comunhão (LG 8-9). Enquanto koinonía, a Igreja é sacramento da unidade da Trindade. Comunhão a ser vivida dentro dela, entre os cristãos, e a ser promovida para toda a humanidade. Por sua vez, os ministérios são expressão da universalidade dos dons do Espírito, em vista do serviço para o bem de todos, cristãos e não-cristãos. 

 

Em consequência, se redefine teologicamente o alcance do sacramento do batismo, fonte de onde brota a diversidade dos ministérios, bem como se elabora uma nova teologia dos ministérios ordenados, especialmente do bispo em relação ao ministério petrino, no interior do colégio apostólico. Os leigos recuperam sua identidade e lugar na Igreja e na sociedade, enquanto membros de um mesmo corpo que é a Igreja de Jesus, constituída por uma única categoria de cristãos –os batizados. Enfim, rearticula-se o princípio sinodal ou da colegialidade entre as Igrejas Locais de uma região, país, continente e em torno ao ministério petrino. 

 

Coerente com estes princípios, para falar da Igreja, o Concílio recorre à imagem bíblica Povo de Deus (LG 9-13). Povo de Deus são todos os batizados e, portanto, faz parte dele também os ministros ordenados, cujo ministério se funda no sacerdócio comum dos fiéis, dom que Deus confere, pelo batismo, a todos os “filhos da Igreja”. Por sua vez, a Igreja é sacramento do Reino de Deus, inaugurado por Jesus e edificado no Espírito por todas as pessoas de boa vontade. A configuração histórica de uma Igreja “Povo de Deus”, peregrina, mostra sua precariedade institucional, superando o conceito de sociedade perfeita. 

 

A Igreja, mediação privilegiada de salvação

 

Elemento importante na eclesiologia conciliar é a concepção da Igreja como sacramento de salvação (LG 48). Superando o milenar eclesiocentrismo –extra ecclesiam nulla salus-, em sua volta às fontes, a Igreja volta a se autocompreender como “sacramento” de uma salvação universal, que passa também por outros meios, que aqueles dos quais ela é depositária. Isso descentra a Igreja de si mesma e de suas questões internas e lança-a a abraçar, como suas, as grandes causas da humanidade, dado que o Povo de Deus peregrina na história no seio de uma humanidade toda ela peregrinante. 

 

Quanto à mediação eclesial na obra da salvação, ela supera o catolicismo, porquanto a verdadeira Igreja de Jesus Cristo subsiste (subsistit in) na Igreja católica e não somente nela (solummodo). Segundo a Constituição Gaudium et Spes, a Igreja é um corpo de serviço do Reino de Deus no mundo (GS 1). A Igreja não existe para si mesma, mas para o Reino de Deus que, por sua vez, não se esgota nela. Ela é seu sacramento e primícia. Em decorrência, impõe-se a necessidade na Igreja de um espírito de cooperação e serviço ao mundo, numa perspectiva de diálogo, de dar mas também de receber do mundo. 

 

Na Diocese, a presença da Igreja toda

 

O surgimento da pastoral orgânica e de conjunto se deu com a tomada de consciência da dimensão diocesana da pastoral. A Igreja católica se faz presente em cada Igreja Local. Para K. Rahner, esta é a mudança mais profunda do Vaticano II (LG 23; CD 11; AG 20,38). Em sua volta às fontes, o Concílio Vaticano II redescobriu a universalidade do cristianismo, na particularidade das Igrejas Locais. A Igreja da Cristandade havia confundido “catolicidade” com a particularidade romana e, a neocristandade, a “universalidade” como uma determinada particularidade que se estende sobre as demais, absorvendo-as ou aniquilando-as. 

 

Para o Concílio, catolicidade não é uniformidade generalizante. As Igrejas Locais são “porção” do Povo de Deus e não “parte”. A porção contém o todo. Em cada Igreja Local, está a Igreja toda, ainda que não se constitua em toda a Igreja, dado que nenhuma delas esgota este mistério. A Igreja de Jesus Cristo é uma “Igreja de Igrejas”. Consequentemente, a pastoral só será realmente eclesial e servidora do Reino, na medida em que for pensada e levada a cabo em perspectiva diocesana e na comunhão com as demais dioceses. 

 

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