Estamos no mesmo barco

29 de Junio de 2018

[Por: José Neivaldo de Souza]




É noite... o tempo está frio... como se não bastasse o medo da escuridão, há insegurança e desespero diante do futuro. A tripulação está exausta, à deriva. O barulho do vento e os constantes temporais acentuam o desespero. São muitos migrantes e refugiados: homens, mulheres e menores, a maioria desacompanhados, transportados como carga numa longa viagem mar a dentro. Fogem da violência e da pobreza na Líbia. Alguém, lendo a Bíblia, repete a súplica de um Salmo: “Senhor, mantenha acesa a minha lâmpada; Ó meu Deus transforma em luz as minhas trevas” (Sl 18,28). 

 

Aquarius, o navio da Organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), se aproxima. Suas luzes invadem a noite trazendo alegria e esperança à embarcação. É justo lembrar: “O choro pode durar uma noite, mas, a alegria chega pela manhã” (Sl 30, 5b). Alguém se importa com a fragilidade de um povo vítima de abusos, ameaçados de morte. É esta a situação de milhares de pessoas que deixam a Líbia e vão em direção à Europa e à América. 

 

Ultimamente quase onze mil migrantes foram resgatados no Mediterrâneo. A situação se torna ainda mais grave quando alguns países se fecham e recusam receber as embarcações de migrantes. Itália e Malta, por exemplo, fecharam os portos e, enquanto outros países conversam sobre a possibilidade de acolhê-los, eles ficam em alto mar, sujeitos à desidratação e sob grande tensão e insegurança. Não basta esperar uma resolução sobre o combate às redes de tráfico humano, isso é importante, mas há situações que exigem resoluções imediatas. Estima-se que quase duas mil pessoas já morreram nesta travessia.   

 

Leio o evangelho de Marcos (4,35-41) e o cenário que acabei de descrever me remonta a outra cena: Os discípulos estão atravessando o mar, enquanto Jesus dorme no fundo do barco. De repente há uma tempestade de vento e, apavorados, acordam Jesus que imediatamente acalma a tempestade. A situação dos discípulos e dos imigrantes me faz pensar sobre nossa situação neste mundo e concluo: “estamos no mesmo barco”.

 

O barco representa a nossa realidade: os discípulos são aqueles que, diante de Jesus, acreditam na vida. Não podemos impedir que venha os temporais, as ventanias e os perigos a que estamos expostos, o mais é importante é: como nos colocamos diante dos perigos? com medo ou com fé? 

 

Com medo? Muitas vezes nos sentimos sozinhos, no escuro, com uma sensação de impotência face aos perigos externos. Há o medo da morte, de não conseguir atravessar mar. Tudo isso nos causa espanto.  Não vivi esta situação num barco em alto mar, mas, posso imaginar o medo, a tensão, a insegurança e o desespero. Penso no que os discípulos passaram, no que os imigrantes estão passando. Neste grande navio, todos nós passamos por insegurança, esperando decisões políticas que possam nos aliviar. 

 

Com fé? É preciso fé! E, como os discípulos, podemos com Jesus acalmar o nosso coração para que possamos ver uma luz na escuridão, nos dirigir em direção a ela, a fim de chegarmos seguros no final de nossa jornada. Martin Luther King Jr disse: “é preciso subir o primeiro degrau, com fé, sem a pretensão de ver toda a escada”. Penso na alegria das pessoas subindo as escadas do navio Aquarius. Ainda que este povo não conheça Jesus, vão saber que esta ação humanitária tem Espirito dele, pois são cristãos repetindo o que o Mestre disse: "Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver" (Mt 25,35,36).

 

O mar, o barco, as pessoas. Como enfrentar tudo isso que nos choca todos os dias? Woody Allen observa que, nesta encruzilhada da vida, devemos escolher corretamente entre o caminho que leva ao desespero ou o outro que leva à total extinção. Não sou tão pessimista assim. A humanidade, mesmo no desespero, tem sede de salvação. Canta Oswaldo Montenegro: “Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio. Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca”. Penso como Ariano Suassuna. Ele dizia, num tom bem-humorado, “é melhor ser um realista esperançoso do que um otimista tolo ou um pessimista chato”. 

 

A Igreja é um barco. Nela há pessoas com medo, mas com profunda fé. Que esta fé possa cultivar a certeza de que Jesus está neste barco e que seu porto seguro é um reino de luz e não de trevas; reino de amor e não de ódio e preconceito. Não interessa saber que estamos todos no mesmo barco, o mais importante é: como estamos neste barco?  

 

 

Imagem: https://www.infolibre.es/noticias/politica/2018/06/20/el_aquarius_parte_valencia_rumbo_nuevas_misiones_rescate_costa_libia_84203_1012.html 

 

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