22 de Junio de 2018
[Por: José Neivaldo de Souza]
Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta senão para ser lançado fora, e ser pisado pelos homens (Mt 5,13).
Gosto das metáforas de Jesus, elas abrem novos horizontes, outros mundos possíveis. Nelas enxergamos algo que se descortina para além do objeto enunciado. Ser “sal da terra” não significa ser “o”, mas ser “como”. Metáfora é um termo que, substituído por outro, em uma relação de comparação ou analogia, deixa livre a interpretação, prezando mais pelo subtendido, do que pelo o óbvio. Ao ensinar os seus discípulos, Jesus os compara ao sal.
Na antiguidade, o sal era tão precioso que possuía valor de troca, daí a origem do “salário”. Gregos e romanos, viviam da comercialização deste produto. No século III a. C Roma decretou guerra a Cartago a fim de obter o controle e a produção do sal no mar Mediterrâneo. Platão via esta substância como “dádiva divina”.
Mais recente, nas grandes navegações e sob sofridas batalhas, Portugal conseguiu impor o produto em suas colônias. A dor das conquistas portuguesas foi cantada por Fernando Pessoa: “Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal! / Quantos filhos em vão rezaram! / Quantas noivas ficaram por casar / para que fosses nosso, ó mar!”. Para Gibran Khalil Gibran, autor de “O Profeta”, há algo de “estranhamente sagrado” no sal para que ele esteja no mar e em nossas lágrimas.
O sal tem a função de temperar a vida, se usado em demasiada porção pode ser prejudicial à saúde. A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda ingerir pelo menos dois gramas diárias de sal, não mais do que isso. Lembro, quando criança não tínhamos geladeira no sítio, meu avô trocava fubá e rapadura por sal grosso para conservar as carnes, temperar a comida e alimentar o gado. O sal também serve para purificar a água da proliferação de bactérias. No Segundo Livro de Reis (2,19-22) há o relato de que alguns homens foram até Eliseu reclamar das águas contaminadas. O profeta pediu um prato de sal e, em nome de Deus, o derramou no manancial. As águas foram purificadas. O sal serve também para destruir. No livro de Juízes (9,45) o rei Abimeleque e suas tropas entraram na cidade de Gaal, mataram os habitantes daquele lugar e derramaram sal sobre terra, matando as plantações e animais.
O sal era frequentemente usado nas liturgias simbolizando fertilidade ou destruição, mas Jesus o abordou como símbolo na sacralidade da vida. Assim como o sal, temos capacidade de salvar a vida ou destruí-la: “Eu vim para que tenham vida em abundância” (Jo 10,10). O sal, nesta perspectiva, não tem o objetivo de espantar os maus espíritos, mas é metáfora de um espirito que se doa e que partilha.
Certa vez, um peregrino passou por uma aldeia, muito carente, bateu à porta de um barraco, e pediu algo para comer. Uma senhora veio atendê-lo e disse não ter nada. O estrangeiro, de forma piedosa, respondeu à mulher: “eu tenho uma pedra de sal vamos transformá-la em comida”. Ela, surpresa, perguntou: “o que posso fazer?” disse ele: “encha as panelas d’água e coloque-as aqui”. Enquanto improvisava um fogão a lenha, algumas mulheres se achegavam e, curiosas, esperavam pelo evento.
Pronto! A panela cheia d´água sobre o fogão e na mão uma pedra de sal. “precisa-se de uma cebola picada”., uma das vizinhas, esperando pelo milagre, correu à sua cozinha e trouxe uma cebola picada. Mexendo com uma colher de pau exclamou: “que delícia! Vai ficar melhor ainda se alguém doar três dentes de alho e dez raminhos de cebolinha”. Outra vizinha foi à sua horta, catou os ingredientes e os trouxe jogando-os dentro da panela. “Divino! Alguém, por caridade, consegue duas batatas e duas cenouras picadas?” Imediatamente os legumes foram providenciados. Uma criança, observando a movimentação, revelou: “é o milagre da sopa!” Em seguida saiu correndo para contar aos pais. Todos esperavam, em torno do fogão, quando um casal chegou com alguns pães e frutas. Num ritual o estranho deu graças e lançou a pedra de sal sobre a sopa para que ficasse ainda mais saborosa.
“Sirvam-se!” Exclamou ele. Mas, e os pratos e colheres? Alguém foi buscar. Os que estavam ali, se serviram e, felizes, conversaram sobre o que acontecera. Após terem comido, viram que o forasteiro havia desaparecido. Ao pé do fogão havia um pedaço de papel e nele estava escrito: “Eu sou o pão da Vida; aquele que vem a mim jamais terá fome, e aquele que crê em mim jamais terá sede” (Jo 6,35). Aquela aldeia nunca mais foi a mesma. A lembrança do milagre é a motivação para a partilha e comunhão. Charles Chaplin disse: “o sal das lágrimas, muitas vezes, torna suave o rosto”.
Imagem: http://religioncigales.blogspot.com/2010/11/parabola-de-la-sal-estudio-de-la-sal-en.html
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